Título: De todos os santos
Autor: Pereira, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2009, Política, p. 4

Estou muito feliz por ter participado desta missa. A Bahia é uma terra muito generosa e aqui sinto o coração, a alma e a imensa generosidade desta gente. Não é sem razão que a Bahia congrega todos os credos. A fé desta gente é muito grande.¿ Foi o que disse Dilma Rousseff ontem, ao deixar a Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Vestida de branco e recebida na praça com um banho de folhas típico dos rituais de candomblé, não falou a ministra-chefe da Casa Civil, a gerente da máquina temida por subordinados e colegas de Esplanada. Em cena, com fitinhas em pulso, brilhava ¿Dilminha paz e amor¿, empenhada em se apresentar aos eleitores despida da fama cultivada em Brasília.

Desde que foi considerada curada de um câncer, no mês passado, Dilma protagoniza uma espécie de cruzada religiosa. Só que em defesa do sincretismo e da diversidade, como convém a um pré-candidato à Presidência da República. Na última segunda-feira, foi a São Paulo participar de um culto da Assembleia de Deus, uma das maiores igrejas evangélicas do país. Ontem, passou pela capital baiana. Amanhã, acompanhará o Círio de Nazaré, em Belém, ao lado de 2 milhões de pessoas. Católica não praticante, a ministra diz ter se lançado nessa ofensiva a fim de agradecer a solidariedade dos brasileiros durante o tratamento de saúde. Quer retribuir as manifestações de apoio recebidas em forma de medalhinhas, santos e orações. E, de olho em 2010, unir o útil ao agradável.

Por mais que assessores e aliados da ministra e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contestem, o roteiro espiritual de Dilma tem objetivos políticos claros. Um deles é torná-la conhecida. Influente na política e na administração pública, personagem constante em noticiários de jornais, revistas e TVs, a petista ¿ como seu filho dileto, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ¿ não passa de uma ilustre desconhecida. É o que mostram as pesquisas. Por isso, a predileção, desde o início do ano, por participações em eventos tradicionais e de grande presença popular. Caso, no terreno mundano, do Galo da Madrugada, o maior bloco carnavalesco do mundo.

As viagens também são fundamentais para azeitar a relação da ministra com os movimentos religiosos, capazes de converter os votos de milhões de eleitores Brasil afora. Não são à toa, por exemplo, as tentativas de aproximação de Dilma com a comunidade Canção Nova e o padre Fábio de Melo, fenômenos de popularidade, inclusive na televisão.

Reza forte Devido à redução no ritmo de trabalho e de viagens para divulgar o PAC durante o tratamento de saúde, a favorita de Lula para a sucessão presidencial emperrou ou caiu nas sondagens divulgadas recentemente sobre 2010. Por conta disso, ganharam corpo os fantasmas que rondam a candidatura dela. O deputado Ciro Gomes (PSB-CE), por exemplo, cresceu no gosto do eleitorado e fortaleceu a ideia dos socialistas de lançá-lo na corrida ao Palácio do Planalto. Já setores do PMDB alinhados aos tucanos bateram à porta da cúpula partidária a fim de convencê-la a não fechar uma pré-aliança com a ministra.

Ciente do que considera um ataque especulativo, Lula saiu a campo. Marcou para o fim do mês a cerimônia de noivado entre peemedebistas e Dilma. Também já pressionou PDT e PCdoB a seguir o caminho do PMDB. É cedo para dizer se a intervenção presidencial surtirá efeito. O santo é forte, mas vela a ministra quase sozinho. Por via das dúvidas, Dilma deveria aproveitar o périplo por templos e igrejas e pedir proteção aos céus. Principalmente contra a cobiça dos aliados e o pendor histórico dos peemedebistas pela traição. Nessa história, a visita a Salvador pode ter sido um divisor de águas. Afinal, em momentos de extrema dificuldade, cantou o ex-ministro Gilberto Gil, ¿quem ajuda é Senhor do Bonfim¿.

Por via das dúvidas, Dilma deveria aproveitar o périplo por templos e igrejas e pedir proteção aos céus. Principalmente contra a cobiça dos aliados e o pendor histórico dos peemedebistas pela traição.