Título: O substituto de Hillary
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 22/12/2012, Mundo, p. 45

Peça-chave na reeleição de Obama, John Kerry será o novo secretário de Estado dos EUA

Correspondente

O presidente Barack Obama encerrou ontem anos de espera do senador democrata John Kerry, indicando-o para secretário de Estado, em substituição a Hillary Clinton, que já havia anunciado há meses que desejava deixar o cargo. É a primeira de uma série de mudanças importantes esperadas para o início do segundo mandato de Obama, em 21 de janeiro. O ex-senador Chuck Hagel é o favorito para o Pentágono, depois que Kerry saiu da disputa pelo cargo de secretário de Defesa.

John Kerry, de 69 anos, candidato derrotado a presidente em 2004, senador há 30 anos e presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado desde 2009, é considerado um dos políticos americanos com maior bagagem internacional. Filho de diplomata, ele teve sua experiência formadora combatendo na Guerra do Vietnã e depois como militante contra a guerra. Kerry assumiu diversas missões importantes no governo Obama. Em uma delas foi o encarregado de convencer o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, a aceitar a realização de um segundo turno na eleição de 2009 após denúncias de fraude. Ele falhou, porém, em negociações com o presidente da Síria, Bashar al-Assad, em 2011, o que lhe rendeu críticas por estar demasiadamente disposto a se engajar no diálogo com ditadores, uma pecha que terá de enfrentar em desafios do novo cargo, como a negociação com o Irã sobre seu programa nuclear.

Ao apresentá-lo ontem, na Casa Branca, como sua escolha para secretário de Estado, Obama disse que a vida inteira de Kerry foi uma preparação para o cargo. Hillary, que se recupera de uma concussão após um desmaio provocado por gripe e desidratação, não pôde comparecer.

- Poucos indivíduos conhecem tantos presidentes e primeiros-ministros e compreendem nossa política externa tão bem como John Kerry. E isso faz dele a escolha perfeita para guiar a diplomacia americana nos próximos anos.

BOA REPUTAÇÃO ENTRE REPUBLICANOS

Nicholas Burns, que foi subsecretário de Estado para assuntos políticos na gestão de Condoleezza Rice (governo George W. Bush), disse que Kerry é uma escolha de peso.

- Há pouquíssimas pessoas com tanta experiência. Precisamos de uma pessoa renascentista, com uma gama tremenda de talentos, tanto políticos como substantivos, com um reservatório profundo de conhecimentos - disse à CNN.

Apesar do currículo e do respeito que conquistou nos EUA e no exterior, Kerry só assegurou a indicação quando a outra concorrente, a embaixadora junto à ONU, Susan Rice, se retirou da disputa, semana passada. Rice saiu chamuscada das aparições em programas de TV na esteira do atentado contra a representação diplomática dos EUA em Benghazi (Líbia) em 11 de setembro, que deixou o embaixador Christopher Stevens e outros três americanos mortos.

Senadores que lideram o Partido Republicano em assuntos de relações exteriores e segurança nacional, como John McCain, julgaram que Rice tentou enganar a opinião pública ao afirmar que as mortes eram consequência de protestos contra um vídeo anti-islâmico produzido nos EUA, e não resultado de um atentado terrorista.

Kerry não deverá enfrentar problemas para ver seu nome aprovado. McCain já o chamou de "senhor secretário", em tom de brincadeira, na semana passada, e o líder republicano, Mitch MacConnell, elogiou sua nomeação.

O novo secretário de Estado não é considerado um homem do círculo mais próximo de Obama, embora as relações entre os dois tenham um marco anterior. Como candidato presidencial em 2004, Kerry foi quem deu a Obama, então um desconhecido senador em primeiro mandato por Illinois, a oportunidade de discursar na convenção em Boston. O discurso, considerado histórico, catapultou Obama à fama nacional e internacional. Ontem, o presidente agradeceu a Kerry pela chance.

Os dois estabeleceram uma parceria fundamental para a reeleição do presidente. Kerry fez o papel de Mitt Romney, o adversário republicano de Obama, nos ensaios para os debates na TV. Obama foi mal no primeiro, antes do qual dedicou um tempo mínimo à preparação, mas se recuperou nos seguintes, com ajuda de Kerry, que conhecia profundamente Romney, ex-governador de seu estado, Massachusetts.

- Não há nada que aproxime mais duas pessoas que semanas de preparação para debates - brincou Obama ontem.