Título: O julgamento (do mensalão) tem que ser acatado
Autor: Uribe, Gustavo
Fonte: O Globo, 30/12/2012, País, p. 8

Em entrevista ao GLOBO, às vésperas de assumir o comando da capital paulista, o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, avalia que o julgamento do mensalão tem de ser acatado e vê dificuldades, do ponto de vista jurídico, de uma apelação ser levada à Corte Interamericana. Para ele, o ministro Joaquim Barbosa julgou com convicção, e o governo federal agiu de maneira exemplar ao garantir que o STF decidisse com independência. Haddad avalia ainda que é muito difícil dar crédito às novas denúncias de Marcos Valério. Na avaliação dele, o ex-presidente Lula deixou claro que as acusações contra ele são mentiras.

Na festa da posse, o senhor brincou que era um dos "postes" do ex-presidente Lula. Qual foi o peso do ex-presidente em sua vitória?

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva urdiu a minha candidatura desde o começo e foi o maior avalista dessa proposta, de maneira que participou do começo ao fim da campanha eleitoral.

Ele será seu principal conselheiro em questões administrativas?

O ex-presidente, quando me encontra, é uma pessoa de opinião sobre os fatos da política. Opina mais sobre política, mas tem uma preocupação também com gestão. Na época em que eu era ministro dele, a gente discutia sobre gestão o tempo todo. Agora, geralmente, discutimos mais sobre política. Eu me encontro com frequência com ele e pretendo continuar me encontrando.

A sua vitória em São Paulo, assim como a da presidente Dilma, pôs em evidência uma nova geração de lideranças do PT. Esse novo perfil fortaleceu-se no partido com o enfraquecimento de antigos dirigentes envolvidos no mensalão?

Todos os partidos estão passando por renovação. Há uma questão geracional no país, uma mudança de comando, que aconteceu antes no Nordeste e, depois, no Rio de Janeiro. E vai acontecer em todos os lugares. Essa geração que cumpriu o papel de redemocratizar o país está passando o comando para uma nova geração. E isso está ocorrendo naturalmente.

Como avalia a postura do ministro Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão? Tem a mesma avaliação de membros do PT de que foi um julgamento político?

É um julgamento que vai ensejar muita discussão doutrinária. Há opiniões muito divididas, na comunidade jurídica, em torno da nova jurisprudência criada. Não vejo como ruim essa discussão, sempre respeitando a questão da institucionalidade. Os membros da Suprema Corte foram indicados, inclusive pelo governo anterior, e julgaram de acordo com a sua consciência e com o seu conhecimento jurídico. Não faço reparos em relação a isso. E ele (Joaquim Barbosa) julgou com muita convicção, foi muito convicto em suas posições. Não acho que é antidemocrático, a partir do julgamento - que tem que ser acatado pelo fato de ser a Corte Suprema quem julgou - fazer um balanço sobre o que de fato ocorreu do ponto de vista doutrinário: se as penas foram justas ou se a interpretação dos fatos foi adequada. É normal que seja assim.

Há condenados que falam em recorrer à Corte Interamericana.

Acho difícil do ponto de vista jurídico, a tese tem dificuldades. Uma apelação como essa exigiria uma caracterização difícil de ser feita nos termos em que ela teria cabimento. Mas, enfim, o advogado tem de explorar todas as possibilidades para defender seu cliente.

O PT saiu enfraquecido?

O governo federal agiu de maneira exemplar nesse caso. E penso que, se isso for comunicado da maneira correta, pode inclusive fortalecê-lo. O governo federal garantiu que as instituições funcionassem da forma prevista na lei. Não houve óbice e sabemos que nos passados remotos e recentes os governos federais atuavam no sentido de impedir que esse tipo de julgamento se consumasse. O governo federal garantiu que o processo fosse até o final. Pelas pesquisas de opinião, a maioria da população entende o PT como aquele que leva às últimas consequências qualquer investigação.

As novas denúncias feitas por Marcos Valério envolvem o ex-presidente Lula no mensalão?

É muito difícil conseguir discernir quando a versão apresentada por uma mesma pessoa muda a cada circunstância. Essa questão é discutida desde 2005 e ele apresenta, agora, uma nova versão para os fatos. Acho difícil assimilar esse tipo de mudança de comportamento. É difícil dar crédito a esse comportamento que muda a cada circunstância.

O ex-presidente deveria se explicar sobre as novas denúncias?

Ele já afirmou categoricamente que era mentira que ele havia se encontrado com Marcos Valério. Se ele está dizendo que não se encontrou, alguém tem de apresentar uma prova de que aconteceu.

Quando o senhor espera recuperar os R$ 21,7 milhões que teriam sido desviados dos cofres públicos para conta ligadas a familiares do deputado Paulo Maluf?

Esse processo começou a ser trabalhado no governo da Marta Suplicy. Receio que levará um tempo para esses recursos serem repatriados. Cabe recurso e não sei quanto tempo a justiça inglesa levará para julgá-lo.

Na gestão de Celso Pitta, o Ministério Público apontou indícios de irregularidades na contratação de funcionários numa das empresas da área habitacional de São Paulo. Diante disso, por que indicar um nome ligado ao PP, de Maluf, para a Secretaria da Habitação?

Eu não estou fazendo juízo de valor, mas o nome que foi indicado não conhece o Paulo Maluf, nunca teve um encontro sequer (com ele). Quem o indicou foi o ministro Agnaldo Ribeiro (Cidades), o ministro que patrocina o maior programa habitacional da história do país. Então, é disso que se trata. Estou fazendo uma parceria com um partido que é da base aliada do governo federal, responsável pelo Ministério das Cidades e encarregado de dois dos programas que mais interessam à cidade de São Paulo: o PAC Mobilidade e o Minha Casa, Minha Vida.

Em troca de e-mails, rastreados pela Polícia Federal na Operação Porto Seguro, Paulo Vieira diz que indicou o irmão Rubens Vieira para atuar na elaboração do programa de governo da sua campanha. O senhor soube dessa indicação?

Nunca encontrei nenhum dos dois no período da campanha eleitoral. Nunca soube disso e nunca os vi, nunca fui apresentado a esse senhor. Eu nunca ouvi o nome do indicado. Paulo Vieira é uma pessoa que trabalhou no Ministério da Educação, designado pela Controladoria Geral da União (CGU). Eu cheguei a conhecê-lo em 2005.

A indicação, segundo os e-mails, teria sido uma sugestão da ex-chefe de gabinete da Presidência da República Rosemary Noronha.

Nunca me chegou ao conhecimento nenhum pedido da Rosemary Noronha a respeito de nada, nem na minha campanha nem quando era ministro.