Título: Pente-fino nas ambulâncias
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2009, Política, p. 10

TCU vai investigar suspeita de favorecimento em licitação da Saúde

O Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu solicitar ao Ministério da Saúde informações sobre a licitação para a compra de 1.850 ambulâncias para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no valor máximo de R$ 277 milhões. A Justiça Federal suspendeu o pregão eletrônico que seria realizado anteontem depois que uma das empresas interessadas acusou o ministério de modificar os padrões técnicos dos veículos, reduzindo a sua qualidade e capacidade de carga, supostamente para beneficiar outras concorrentes. O procurador Marinus Marsico disse ontem que ¿os indícios são muito sérios¿. ¿Não vejo muita justificativa para essas mudanças assim de afogadilho. Isso chama a nossa atenção, sobretudo porque são aquisições que têm reflexo imediato no bem-estar da população. Isso, para nós, é prioridade.¿

O procurador vai conceder prazo de 10 dias úteis para que o Ministério da Saúde apresente as informações que serão solicitadas, como os detalhes do edital e a sua tramitação legal. ¿Todo ato administrativo tem que ser motivado. Temos que ver as motivações que levaram a isso (as modificações no edital). Vamos entender qual a motivação.¿ Ele acrescenta que, no atual estágio do processo de compra, o tribunal pode atuar diretamente: ¿Ato administrativo é com o TCU. A gente atua direto. Contrato, obra, tem que mandar para o Congresso¿.

As hipóteses de procedimentos são várias, explicou o procurador. ¿Vou analisar os documentos. Temos várias hipóteses, em tese. Se estiver tudo em ordem, arquivo aqui mesmo e mando uma resposta a quem me deu as informações, dizendo que as informações são satisfatórias. Caso contrário, entramos com uma representação no tribunal para ser instaurado o processo. Nesse caso, já com indícios mais palpáveis de irregularidades.¿

Convocação O presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), defendeu ontem a convocação do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para prestar informações na Comissão de Seguridade Social sobre a licitação para a compra de ambulâncias. Maia acredita que ¿houve direcionamento¿, conforme denunciado pelo Correio esta semana. ¿Infelizmente, entra gestão e sai gestão no Ministério da Saúde e as coisas não mudam. Os problemas continuam os mesmos. E eles (governistas) continuam querendo criar imposto como única solução para subsidiar a Saúde. Acho que o TCU tem que atuar e também o Congresso, convocando o ministro. Não é a primeira vez que ocorrem problemas e, infelizmente, com o mesmo produto¿, disse Maia, referindo-se à Operação Sanguessuga da Polícia Federal, que desbaratou a máfia das ambulâncias em 2006.

Na quinta-feira, às 9h30, um oficial de Justiça interrompeu o pregão do Ministério da Saúde por ordem da juíza Cristiane Pederzolli Rentzsch, da 17ª Vara Federal. O ministério recebeu prazo de 10 dias para prestar informações sobre o processo de licitação. A empresa Brasília Motors, representante da Mercedes Benz, apresentou pedido de liminar para impugnar a licitação.

O secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, nega que tenham sido desrespeitadas as normas técnicas e afirma que objetivo da empresa reclamante seria o de ¿cercear a concorrência pública¿. O gerente da área de Vendas ao Governo da Brasília Motors, Edson Ferreira, afirmou ontem que a principal preocupação da sua empresa seria com ¿as normas de segurança¿. ¿Quem vai participar, não sabemos. O importante é que sejam atendidas essas normas, definidas por portaria do próprio governo. Essas normas não foram feitas por nós¿, argumentou.

Adequações No documento datado de 7 de agosto, o Ministério da Saúde justificou as mudanças no edital para a compra de 1.850 ambulâncias. Em uma das alterações, foi reduzido o peso exigido para cada veículo. A alegação da pasta foi permitir que todas as empresas pudessem participar da concorrência.

Empresas ditam mudanças no edital

As alterações feitas no edital para a licitação da compra das 1.850 ambulâncias estão justificadas num documento do Ministério da Saúde datado de 7 de agosto deste ano. Ali, estão as explicações para cada uma das mudanças, entre elas, a redução da capacidade mínima de carga dos veículos de 1,5 tonelada para 1,4 tonelada. Essas alterações foram propostas pelas próprias empresas concorrentes, por escrito, em audiência pública realizada pelo ministério. Numa delas, e empresa Ford pede exatamente essa redução de capacidade, para poder participar da concorrência.

Em documento assinado em 17 de julho, a Ford se refere ao item 1.1 do edital (capacidade mínima de carga de 1.500kgf). ¿Sabemos que o órgão (Ministério da Saúde) utiliza-se de parâmetros orientativos para o fornecimento de ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ocorre que o modelo que pretendemos ofertar não atende, no entanto, a solicitação acima referida para o item 1.1¿, diz o documento. Em seguida, a empresa acrescenta: ¿É importa frisar que o não atendimento, no entanto, não inviabilizará ao atendimento e à segurança da aquisição ao fim que se norteia¿. E informa que a capacidade de carga do ¿veículo a ser ofertado¿ é de 1.420kgf. ¿As diferenças são irrisórias e não alterarão a segurança do veículo¿, complementa a concorrente.

A Brasília Motors, representante da Mercedes Benz, ingressou com pedido de liminar na Justiça Federal para tentar impedir a realização do pregão. A empresa argumenta que ¿não se pode, a título de permitir a participação de mais concorrentes, colocar em risco a segurança de um passageiro, que, no caso, se chama paciente¿. E acrescenta que não teria havido ¿qualquer debate¿ nessa audiência, mas apenas apresentadas sugestões ¿para solicitar que a lei fosse transgredida, para que tal ou qual empresas pudessem participar com seu veículo¿.

Informado sobre o conteúdo da reportagem, o Ministério da Saúde reafirmou, em nota, que ¿os critérios escolhidos permitiram ampliar a concorrência, sem beneficiar empresa A ou B, e sem prejudicar a execução das funções para as quais o veículo está sendo destinado. A capacidade de carga de 1.400kg é capaz de atender plenamente as necessidades do Samu¿. A empresa Ford não quis se pronunciar sobre esse detalhe do processo de licitação. (LV)