Título: Casa, comida e mulher no comando
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2009, Brasil, p. 12

Estudo do IBGE revela que cresceu a proporção de referências femininas nos lares brasileiros. Em 10 anos, o índice saiu de 25,9% para 34,9%. A má notícia é que elas também estão mais sozinhas

Rita, com o neto Sérgio, sustenta dois filhos, ajuda um terceiro e ainda toma conta da avó: ¿Tenho que contribuir¿

¿Sinto que sou uma guerreira.¿ É sem falsa modéstia que a assistente social Rita Leite, de 50 anos, descreve o duro que deu a vida toda para criar os três filhos e sustentar a casa. Há quase três anos, a piauiense deixa Teresina todas as segundas-feiras para dirigir uma fundação em Brasília. Enfrenta um voo de 1h50 para voltar para casa nas noites de quinta e ficar com a família. A filha de 13 anos e o filho de 25, que apenas estudam, dependem totalmente da mãe. Rita também ajuda com as despesas do terceiro filho, de 28 anos, casado, pai do pequeno Sérgio. ¿Tenho que contribuir.¿ Ela ainda cuida da avó de 94 anos. Todos os gastos com o salário de cerca de R$ 7 mil.

A rotina sempre foi árdua, mas até que hoje está melhor. O primeiro marido nunca cooperou. ¿Ele não assumia nada.¿ Para Rita, o casamento naufragou por ela não ter tido filhos naturais ¿ os três são adotados. Separada, enfrentou o preconceito e continuou sustentando toda essa gente sozinha durante oito anos. Casada de novo, diz que, finalmente, arrumou alguém compreensivo. ¿Agora, tenho com quem dividir.¿ O atual marido foi o primeiro namorado dela, há 30 anos.

Josefa Joselma de Souza não teve a mesma sorte. Separada do marido, a paraibana de 38 anos continua se virando sozinha mesmo para sustentar a mãe, o irmão e dois sobrinhos. Começou a fazer faxina há 16 anos, após a separação. Mas em João Pessoa (PB) já trabalhava na roça. ¿Sempre dei duro¿, conta. Jô, como é conhecida, demora uma hora para chegar ao trabalho. Ganha R$ 500 e mora em uma favela na periferia. ¿Pago água, luz, telefone, faço as compras. Tenho que pagar tudo¿, diz. E se o dinheiro não chegar até o fim do mês? ¿A gente dá um jeito¿, responde.

Rita e Jô são exemplos de uma realidade que vem se tornando cada vez mais comum no país. Em uma década, cresceu de forma significativa a proporção de mulheres à frente das famílias brasileiras. É o que revela a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o estudo, saltou de 25,9%, em 1998, para 34,9%, em 2008, o percentual de mulheres que são chefes de família.

Um dado chamou a atenção dos analistas do IBGE: passou de 2,4% para 9,1% o percentual de mulheres que continuam sendo consideradas a pessoa de referência na casa ¿ mesmo com a presença de um homem. ¿Está aumentando o número de domicílios em que a mulher é sozinha, sem cônjuge, e é declarada responsável. Mas também está aumentando o número de mulheres que, mesmo com cônjuge, são citadas como referência¿, explica a analista do IBGE Lara Gama, que trabalhou no estudo. O SIS foi feito com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e levou em conta apenas a opinião dos próprios integrantes da família.

Além de mostrar que elas abocanharam mais postos de trabalho nos últimos 10 anos, a pesquisa pode refletir, também, uma mudança cultural. ¿As pessoas passaram a identificar mais a mulher como a responsável pela casa. Isso pode ser explicado pela maior participação delas no mercado de trabalho e pela diminuição de uma hierarquia antes predominante¿, prossegue Lara.

Outro item que surpreendeu os analistas foi o aumento do percentual de mulheres jovens (entre 18 e 24 anos) com filhos, que sustentam suas famílias. De acordo com a pesquisa, passou de 4,8% para 11,8% a fatia de jovens que são consideradas a pessoa de referência em casa. Combinado a fatores como a diminuição das mulheres casadas e com filhos nessa faixa etária (o percentual caiu de 62,1% para 51%) e o maior acesso ao mercado de trabalho, o IBGE chegou a uma constatação: ¿Houve uma piora da situação das mulheres. Apesar de mais independentes, mais presentes no mercado de trabalho, e de estarem assumindo mais frequentemente a chefia das famílias, elas estão mais sozinhas¿, diz a analista.

Além disso, as jovens trabalham muito no Brasil. De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativos a 2006, a taxa de atividade das mulheres brasileiras entre 15 e 19 anos (42,5%) chega perto da dos Estados Unidos (43,7%) e é mais alta do que a de países como México (24,9%) e Argentina (22,3%).

As pessoas passaram a identificar mais a mulher como a responsável pela casa. Isso pode ser explicado pela maior participação delas no mercado de trabalho¿

Lara Gama,analista do IBGE

E mais¿

Habitação A pesquisa do IBGE também mostra que 39% dos domicílios urbanos do país são considerados precários. Nesses locais, não há, simultaneamente, um ou mais serviços como abastecimento de água (20,1%), esgoto (80,8%), coleta de lixo (27,3%) (foto) e luz elétrica (0,5%).

Estrangeiros e migrantes Cerca de 700 mil estrangeiros vivem no Brasil, informa o levantamento. Destes, 70,3% estão na Região Sudeste. Segundo o instituto, o país tinha 19,7 milhões de migrantes (brasileiros que se deslocam entre as regiões do país) em 2008. O maior grupo foi o de nordestinos: 10,5 milhões (53,4%).

Ensino médio Somente 36,8% dos jovens de 18 a 24 anos têm 11 anos de estudo. Isso corresponde ao ensino médio completo ¿ escolaridade considerada essencial para avaliar o sistema educacional de um país. O índice dobrou na comparação a 1998 (18,1%), mas ainda é considerado muito baixo.

Ensino superior A proporção de jovens matriculados no ensino superior também dobrou, passando de 6,9% para 13,9%. Mesmo assim, segundo o IBGE, o percentual é baixo na comparação com países como França, Espanha e Reino Unido, em que o índice é superior a 50%, ou em relação ao de algumas nações da América Latina, como o Chile (52%).