Título: A vida com baixa renda
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2009, Economia, p. 16

No país, 22,6% da população possui renda individual de até R$ 207. As crianças e os jovens com até 17 anos são os mais afetados pela pobreza

Rosimeire de Jesus, com a filha: renda per capita de menos de meio salário mínimo Maria Amélia, catadora de lixo em Brasília: ¿Tudo que ganho vai para comida e para pagar algumas contas, mas não é suficiente¿

As crianças e os jovens com até 17 anos são a parcela da população mais afetada pela desigualdade social. Quase metade deles, cerca de 11 milhões de pessoas, vive em situação de pobreza, com até meio salário mínimo ¿ dinheiro que é gasto em transporte, vesturário e principalmente alimentação. De todos eles, 2,2 milhões estão em situação pior, considerada de extrema pobreza. Têm como renda individual um quarto do piso salarial do país em 2008, o equivalente a R$ 103,75.

Os dados são da Síntese dos Indicadores Sociais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que traçam o perfil das famílias como a da catadora de lixo Helena de Carvalho, 28 anos, na qual as crianças são predominantes e o dinheiro, escasso. Ela, o marido e os cinco filhos, cujo mais velho tem 10 anos, sobrevivem com cerca de R$ 700 em um barraco de 10 metros quadrados, improvisado com madeira e telhas encontradas no lixo. ¿Vamos nos virando para manter a casa¿, disse a catadora ao tentar explicar como se sustenta com essa renda.

Moradora da Vila Estrutural, região administrativa do Distrito Federal distante 15 km de Brasília, Helena divide os dias da semana entre o aterro de lixo da cidade e o barraco onde cria os filhos. Semelhante a ela, a vizinha Rosimeire de Jesus, 23, tem duas crianças, trabalha no lixão e vive em um barraco cuja renda per capita é de menos de meio salário mínimo. Quando a pesquisa do IBGE começou a ser feita, em 1998, Rosimeire tinha 12 anos e fazia parte da estatística de jovens em extrema miséria. Na época, ela e o irmão vendiam doces nos semáforos da Esplanada dos Ministérios, tiravam R$ 200 e sustentavam uma casa com dez pessoas. ¿De lá para cá as coisas melhoraram, mas não acho que a vida está tão melhor assim¿, avaliou.

Recuperação A catadora de lixo Rosimeire ampliou a renda da casa nos últimos 10 anos, mas a família dela ainda não conseguiu se encaixar entre as que deixaram o patamar de meio salário mínimo por pessoa. No país, entre 1998 e 2008, caiu de 32,4% para 22,6% a população que vivia com até R$ 207,50 per capita. ¿Atribuímos esse recuo na pobreza à melhora econômica e às políticas de trasnferência de renda. É um crescimento melhor do que em avaliações anteriores, mas o número de pobres ainda continua expressivo¿, explica a analista do IBGE Lara Gama. Segundo ela, a falta de planejamento familiar influencia diretamente para que a maioria da populção jovem esteja entre os com menor renda. ¿Normalmente, as famílias que têm mais filhos são as mais pobres, por isso, essa quantidade de jovens com renda tão baixa¿, pondera a analista.

Apesar de ainda haver uma grande massa de pobres e miseráveis no Brasil, o IBGE conclui que o país assumiu uma trajetória constante de recuperação da renda. A parcela da população que vivia com até meio salário mínimo caiu quase 1% ao ano. O número de mulheres no mercado de trabalho também cresceu. Passou de 42% em 1998 para 47,2% em 2008. Em contrapartida, no mesmo período, diminuiu a quantidade de meninas entre 10 e 15 anos que trabalhavam. Passou de 11,5% para 6,4%. Das que estão no mercado, 136 mil são empregadas domésticas. A despeito dessa melhora, a desigualdade ainda é grande, somente 1,7% da população vive com cinco salários per capita e o Nordeste continua a concentrar a maioria dos pobres do país. ¿Essa é um tendência de melhora, mas a desigualdade continua grande¿, disse a analista Lara Gama.

Básico Cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconomicos (Dieese) mostram que para o salário mínimo atender as necessidades básicas de uma família deveria valer pouco mais de R$ 2 mil. O que possibilitaria uma renda per capita de R$ 516,36 para um casal com dois filhos. Para Adriana Pinto de Moraes, 28, e Maria Amélia Ramos da Cruz, 58, ambas catadoras de lixo, o valor é o dobro do que elas gostariam de receber para ter uma ¿vida mais confortável¿. ¿Se não fosse a conta na mercearia não sei como eu faria para passar o mês¿, afimou Adriana, que sobrevive com os três filhos e o marido com R$ 465 por mês. ¿Tudo que ganho vai para comida e para pagar algumas contas, mas não é suficiente¿, relatou Maria Amélia, que junto com o marido ganha R$ 10 o dia na coleta de lixo.

Para a nutricionista do Serviço Social do Comércio (Sesc), Daniela Vitali, se o meio salário for direcionado somente para alimentação é possível montar uma cesta balanceada, com todos os nutrientes necessários. ¿Caso o dinheiro seja para pagar outras contas, fica mais dífícil. Agora, se a pessoa tem esse nível de salário precisa de auxílios governamentais¿, afirma. Uma dieta de arroz, feijão, carne, verduras, leites e algumas frutas mais baratas, além de pão e biscoito, seria suficiente para viver com saúde. ¿Com meio salário mínimo dá para montar uma cesta dessas, é só procurar coisas mais baratas¿, completa a nutricionista.

Normalmente, as famílias que têm mais filhos são as mais pobres, por isso, essa quantidade de jovens com renda tão baixa¿