Título: Obama faz história de novo
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2009, Mundo, p. 26

Comitê norueguês surpreende o planeta e concede o Prêmio Nobel da Paz ao primeiro líder afro-americano dos EUA Entidade destaca ¿esforços extraordinários¿ no fortalecimento da diplomacia e da cooperação entre os povos

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos: ¿Para ser honesto, não acho que eu mereça¿

A tradição foi seguida à risca. Às 6h (hora de Brasília), Thorbjorn Jagland, presidente do Comitê Nobel Norueguês, abriu as portas do salão do Instituto Nobel, em Oslo, e não perdeu tempo em anunciar o ganhador da distinção mais respeitada do planeta. ¿O Comitê Nobel para a Paz decidiu que o Prêmio Nobel da Paz para 2009 será dado ao presidente (dos Estados Unidos) Barack Obama por seus extraordinários esforços para fortalecer a diplomacia e a cooperação entre os povos. O Comitê dá importância especial à visão de Obama e ao trabalho por um mundo sem armas nucleares¿, declarou Jagland.

O que fugiu à regra foi a reação dos jornalistas presentes na coletiva. Durante a citação do nome de Obama, ouviu-se um ¿Uuuuuh!¿ de surpresa. ¿Como presidente, Obama tem criado uma nova atmosfera na política internacional. A diplomacia multilateral tem readquirido uma posição central, com ênfase no papel que as Nações Unidas e outras instituições podem desempenhar (¿) A visão de um mundo livre de armas nucleares tem estimulado, de modo poderoso, as negociações para o desarmamento e o controle de armas¿, acrescentou o comunicado do Comitê.

Obama, que assumiu em janeiro passado, é o terceiro governante norte-americano a receber a honraria durante o mandato. E em um momento delicado no cenário interno: com a popularidade em queda, ele tenta imprimir a reforma na saúde, recebe críticas pelo aumento da violência no Afeganistão e ainda busca amenizar os efeitos da crise financeira.

Ainda assim, a comunidade internacional entendeu a homenagem como mais do que merecida. De todos os continentes, surgiram mensagens de felicitações e elogios ao chefe de Estado norte-americano (leia na página 27). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou o colega e disse que o prêmio ¿está em boas mãos¿. O também Nobel da Paz Mikhail Gorbachev, ex-presidente da União Soviética, enviou um telegrama ao líder. ¿Com sua atuação, você contribuiu para mudar o mundo. Minhas visões do mundo e das relações entre os povos são próximas da sua¿, escreveu. Sites como os microblogs do Twitter e as páginas de relacionamento do Facebook ficaram inundados de críticas e parabéns a Obama.

No discurso de aceitação do prêmio, Obama se disse surpreso e ¿profundamente honrado¿, mas parecia colocar em xeque o propósito da distinção. ¿Quero deixar claro: não vejo isso (Nobel) como um reconhecimento de meus êxitos, mas como uma afirmação da liderança americana na representação das aspirações populares de todas as nações¿, declarou, às 12h30 de ontem (hora de Brasília). Com a humildade que lhe ajudou a ascender à Casa Branca, disparou, em tom sério: ¿Para ser honesto, não acho que mereça estar na companhia de tantas figuras que transformaram o mundo¿.

Obama voltou a adotar o tom pacifista, ao defender uma nova era de responsabilidades compartilhadas. ¿Não podemos tolerar um mundo no qual armas atômicas se espalham e no qual o terror de um holocausto nuclear ameaça mais gente¿, afirmou, após considerar o Nobel da Paz ¿um chamado à ação¿. Por meio do porta-voz, Robert

Gibbs, o presidente avisou que doará o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,42 milhão) a uma instituição de caridade e que vai comparecer à cerimônia de entrega, em 10 de dezembro.

Críticas A reação entre afegãos, iraquianos e palestinos foi além da surpresa. ¿Que paz? Onde está a paz? Meu povo está sendo atacado, estuprado, vendo suas casas destruídas. O Oriente Médio está um desastre¿, afirmou ao Correio Besmellah Khuram, 23 anos, estudante de ciência política na Universidade de Cabul. ¿Ele não merece isso. É um hipócrita, tenta satisfazer a população norte-americana sem levar em conta se tomou a decisão correta¿, acrescentou o tradutor iraquiano Salwa Al-Mudarisi¿m, 47. Para Anas Al-Sabbar, radialista em Ramallah (Cisjordânia), a concessão do Nobel a Obama foi ¿prematura¿. ¿Até agora ele nada fez, especialmente no Oriente Médio¿, lembrou. ¿Não foi um prêmio justo, pois seria preciso esperar mais dois anos, pelo menos¿, emendou.

Entre os opositores, sobraram críticas, principalmente por parte de intelectuais conservadores e políticos republicanos. Em entrevista ao Correio, por e-mail, Jerome Corsi ¿ autor de The Obama nation and the late great USA (A nação Obama e os tardios grandes EUA, pela tradução literal) ¿ atribuiu o Nobel da Paz a uma ¿reprimenda dos esquerdistas do Comitê Nobel contra o ex-presidente George W. Bush¿. ¿O prêmio tornará mais difícil para o presidente Obama manter sua promessa de campanha de `perseguir a guerra certa¿ no Afeganistão, honrando o pedido por mais 40 mil soldados. Se Obama enviar mais tropas ao Afeganistão e expandir a ofensiva ao Paquistão, o Comitê Nobel vai retirar a premiação?¿, alfinetou. Corsi acredita que se alguém merecia o prêmio, este era Bush. ¿O presidente Bush libertou milhões da tirania sob Saddam Hussein no Iraque e quebrou o regime do Talibã no Afeganistão. Até agora, a política externa de Obama tem se limitado a discursos.¿

Michael Steele, líder do Partido Republicano dos EUA, afirmou que a decisão do Comitê se deve ao ¿status de estrela¿ de Obama. ¿A verdadeira pergunta que os americanos deveriam fazer é: o que Obama conseguiu na realidade?¿, afirmou.

Os nomes mais cotados para o Nobel da Paz , que este ano recebeu o recorde de 205 inscrições, eram os da senadora colombiana Piedad Córdoba; da ativista afegã Sima Samar; e do príncipe jordaniano, Ghazi Bin Muhammed Bin Talal. A escolha de Obama honrou o caráter imprevisível do prêmio. Por telefone, de Oslo, Kristian Harpviken, presidente do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz (Prio, pela sigla em inglês), apontou uma ruptura nas tradições do Nobel da Paz. ¿Foi uma surpresa. Obama tem soprado ar fresco dentro da diplomacia internacional e expressado ambições nobres em torno da resolução de conflitos e do diálogo, mas ele é muito novo no cargo e precisa converter o diálogo em realidade¿, comentou o analista, que vê um ¿capital político¿ no prêmio deste ano. ¿É difícil ver o que os EUA e seus militares poderão obter sem sacrificarem os valores humanos de Obama¿, alertou.

Análise da notícia O imenso peso da distinção

Em menos de um ano de governo, Barack Obama extinguiu o termo eixo do mal, descartou a expressão ¿guerra antiterror¿, assinou o fechamento da prisão de Guantánamo (ainda que isso só esteja no papel), defendeu a imediata desnuclearização internacional, autorizou o financiamento de pesquisas com células-tronco embrionárias, mostrou-se paladino dos direitos civis e humanos e convocou as nações a priorizarem o diálogo às armas. Para o Comitê Nobel, ele tem feito muito em pouco tempo.

Muito além do peso histórico e simbólico, o Nobel da Paz tem um caráter ideológico: Obama precisa agora honrar o título que lhe foi imposto. Para mostrar que fez jus ao testamento do inventor Alfred Nobel, ele precisará pensar duas vezes antes de lançar mais tropas sobre o Afeganistão, ser calculista e ponderado ao lidar com os arroubos de Mahmud Ahmadinejad, manter aberta a porta para o entendimento com o islã e reinventar o processo de paz no Oriente Médio. Em resumo, Obama terá uma responsabilidade ainda maior ao dirigir o destino dos Estados Unidos e do mundo. (RC)