Título: Bastão nas mesmas mãos
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Fonte: O Globo, 06/01/2013, Mundo, p. 39
Vice-presidente e ministro dão indícios de que regime pode estender mandato de Chávez
CARACAS Enquanto a Venezuela respira em suspenso sem saber exatamente o que vai ocorrer no próximo dia 10 - data marcada pela Constituição para a posse de Hugo Chávez em seu novo mandato - as mais altas autoridades do chavismo começaram a dar indícios de que o regime pode tentar estender o atual período de governo do presidente, hipótese não prevista na lei. A possibilidade foi aberta com a afirmação do vice-presidente Nicolás Maduro de que a data da posse é um mero "formalismo". Ontem, os chavistas deram mostra de unidade com a reeleição de Diosdado Cabello como presidente da Assembleia Nacional, numa votação sem as surpresas prenunciadas dias anteriores por alguns analistas, que apontavam uma possível investida de aliados de Maduro para controlar a Casa. Com isso, o chavismo se fortalece para qualquer saída a ser adotada no dia 10.
O vice-presidente disse, numa entrevista no fim da noite de anteontem, que a posse de Chávez no dia 10 é "um formalismo" que pode ser resolvido pelo Supremo Tribunal de Justiça e que o presidente poderia continuar em suas funções. A afirmativa foi o sinal mais claro, até agora, do rumo que o governo deve tomar dada a gravidade da doença de Chávez, que está em Cuba convalescendo de sua quarta operação de um câncer na região pélvica e sofre complicações respiratórias. Desde a cirurgia, no dia 11 de dezembro, Chávez não apareceu mais em público nem falou diretamente ao país.
De acordo com Maduro, a Constituição venezuelana não prevê um caso tão particular como o de Chávez - que é o atual presidente, licenciado de suas funções, mas também o futuro mandatário do novo governo.
- No caso do presidente Chávez, é um presidente reeleito que continua em suas funções e o formalismo de seu juramento pode ser resolvido no Supremo Tribunal de Justiça - alegou ele na TV estatal Venezolana de Televisión, acrecentando que o artigo 231 da Constituição abre "uma flexibilidade dinâmica" para a solução da questão da posse.
A ideia da continuidade do atual mandato presidencial foi corroborada pelo ministro da Comunicação e Informação, Ernesto Villegas, ao chegar ontem à Assembleia Nacional. Segundo ele, Chávez está sendo tratado e mantém sua "fortaleza física e espiritual", não sendo possível falar-se de uma ausência temporária ou absoluta porque existe uma permissão constitucional para sua permanência em Cuba.
- Chávez é o presidente da Venezuela é não há nenhum outro - disse, ressaltando que não há crise institucional no país. - O povo venezuelano, que elegeu Chávez, quer que o presidente siga à frente de seu mandato.
Oposição rebate acusação de golpismo
Essa possibilidade já fora levantada antes pelo presidente reeleito da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. No fim do mês passado, ele disse numa entrevista que "não se pode amarrar a um dia a vontade do povo", alegando que Chávez foi eleito presidente e que o resultado das urnas deveria ser respeitado.
Ontem, após sua recondução ao cargo, o presidente da Assembleia disse que fará "o que for necessário" para que quem votou em Chávez "não se sinta ludibriado".
- Juro lealdade plena e juro defender esta linda revolução do comandante Hugo Chávez - declarou.
A decisão sobre uma extensão do mandato de Chávez, no entanto, caberia ao Supremo Tribunal de Justiça - alinhado com o governo - já que a medida depende de uma interpretação da Constituição.
Maduro foi contundente ao afirmar que não há elementos para a declaração de ausência permanente de Chávez, o que obrigaria a convocação de novas eleições em 30 dias. Segundo ele, tais especulações são teses da direita e equivaleriam "a um verdadeiro golpe de Estado contra o presidente Chávez".
O secretário-executivo da organização oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), Ramón Guillermo Aveledo, rebateu as acusações de golpismo de Maduro.
- Ele está numa posição muito comprometida e tratou de endurecer seu discurso, pois considera que o diálogo e a reconciliação os fazem parecer fracos, mas esta luta não convém ao país - declarou.
Vários juristas conceituados já indicaram que a Constituição é clara ao estabelecer que o mandato do presidente termina no dia 10, e um novo período presidencial se inicia.
No caso da ausência de Chávez na posse, seria necessário, segundo apontam, declarar sua ausência temporária por 90 dias, prorrogáveis por mais 90, ou permanente, com novas eleições. Em ambos os casos assumiria interinamente o presidente da Assembleia Nacional.
Em petição ao Supremo Tribunal de Justiça, o Fórum Penal Venezuelano pediu que a Corte decida antes do dia 10 qual será a solução legal adotada se Chávez não puder ser empossado diante da Assembleia.