Título: Um jogo por ser jogado
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 11/10/2009, Política, p. 4

O Palácio do Planalto sabe que a oposição tem uma chance em 2010, se estiver unida, se conseguir escapar da armadilha de olhar pelo retrovisor e se projetar uma visão esperançosa sobre o futuro

O que pode desandar no script rascunhado em palácio e no PT para alavancar uma invencível candidatura de Dilma Rousseff a partir da popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva? Em teoria, o roteiro é cartesiano. Dizem cientistas políticos especializados que acima de certo patamar de aprovação (uns 50%) o governante se capacita a fazer o sucessor, sem grandes contratempos. Essa é a teoria. Mas, e na prática?

Além da força de Lula, outra perna da campanha governista será a comparação entre os governos do PT e do PSDB. Como o PT tem dito que vai mesmo por aí, é provável que os oponentes também estejam a preparar os números. Independente, porém, das planilhas e gráficos, a falta de crítica e oposição programáticas nos últimos anos ajudou a consolidar a ideia ¿ verdadeira ¿ de que Lula foi bem melhor do que Fernando Henrique Cardoso. É realidade com que a oposição terá que se virar.

Mas será que líderes com grande aprovação, à frente de governos excelentemente avaliados, transformam a eleição do sucessor automaticamente num passeio? Os fatos dizem que não. O mais emblemático exemplo recente foi a escolha do prefeito de Belo Horizonte ano passado. Vamos recordar.

O então prefeito Fernando Pimentel (PT) e o governador Aécio Neves (PSDB), ambos muitíssimo considerados, julgaram ter descoberto a fórmula infalível da eleição faturada de véspera. Uma aliança entre ambos. Uma eleição sem oposição. E lançaram na empreitada um ¿técnico¿, o secretário estadual de Planejamento, Márcio Lacerda (PSB).

Um administrador competente, apoiado por dois governantes estimados, com a promessa de continuar uma administração bem avaliada. Tinha tudo para dar muito certo.

Quase deu muito errado. Apesar dos tanques de saliva investidos pelo prefeito e pelo governador, e apesar do peso das duas máquinas, Lacerda comeu poeira no primeiro turno, atrás de um supreendente e antes praticamente desconhecido Leonardo Quintão (PMDB). No segundo turno acabou dando o candidato do PSB, mas é razoável dizer que a corrida foi mais perdida por Quintão e suas fragilidades do que vencida por Lacerda e suas qualidades.

Duas lições da refrega belorizontina de 2008. A primeira: com todos os apoios que se possa ter, chega uma hora em que o eleitor presta mais atenção no candidato do que em seus apoiadores. A segunda: toda eleição é disputada contra alguém. O eleitor compara sim partidos, números. Mas quando vai decidir seu voto leva principalmente em conta as capacidades comparadas de liderança política e eficiência administrativa dos candidatos. E com alguma dose de subjetivismo.

Lula tem grande apoio, mas José Serra e Aécio Neves também têm, em seus estados. Lula faz um bom governo, segundo os números e as pesquisas. Os tucanos também, na área de responsabilidade deles. O PT esgrimirá que Serra ou Aécio no Planalto representarão a volta de FHC? Possível, mas é preciso saber se vai colar. Marta Suplicy (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) tentaram usar uma carta algo parecida (o antimalufismo e o antiquercismo) contra Gilberto Kassab na última eleição para prefeito de São Paulo. Deram com os burros n`água.

Mesmo com todo o vento a favor, o Palácio do Planalto sabe que a oposição tem uma chance em 2010, se estiver unida, se conseguir escapar da armadilha de olhar pelo retrovisor e se projetar uma visão esperançosa sobre o futuro. Daí que governo e PT estejam empenhados em provocar alguma divisão séria nas hostes oposicionistas. Assim como o PSDB está empenhado em criar uma equação que dificulte a maioria política automática da base do governo em torno de Dilma Rousseff.

Os movimentos nervosos do governo e da oposição são o melhor sintoma de que o jogo ainda está por ser jogado.