Título: Mau humor não dará as cartas
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 16/10/2009, Política, p. 4

O ambiente no país é otimista. E mau humor não combina com otimismo. O eleitor não sairá de casa no dia da eleição querendo comer o fígado de ninguém.

Uma característica desta sucessão presidencial é que ela vai ser disputada por gente assertiva e objetiva, ainda que cada um a seu modo. Uns menos suaves, outros mais. É a chance de uma campanha eleitoral razoavelmente ¿técnica¿, o que seria uma bênção. Talvez nos aproximássemos de um cenário ¿americano¿, com o carisma, a empatia e a simpatia servindo mais ao debate programático do que o inverso.

Qual será o foco da discussão? Se depender do que alardeia o governo, o país estará mobilizado para ¿evitar a volta da turma do Fernando Henrique¿. Já a oposição procurará convencer-nos do quanto seria inconveniente ¿dar mais quatro anos ao PT¿. Haverá certamente arranca-tocos relativos à ¿ética¿. Mas todos sabem que não poderá ser só isso. Agitar espectros não garante eleição, até porque os nomes do PSDB colocados têm garrafas para entregar em suas administrações. E o PT faz um governo com altas taxas de aprovação e Dilma Rousseff é a ministra mais importante desse governo. E Marina Silva é uma candidata respeitável e consistente.

Teremos escaramuças. Mas, no frigir dos ovos, os concorrentes precisarão apresentar uma visão de futuro, com propostas inteligíveis em pelo menos alguns pontos estratégicos: educação, saúde, segurança e, principalmente, desenvolvimento. Não se trata de ficar debatendo tecnicalidades, mas de convencer o eleitor sobre a capacidade de o candidato ou candidata liderarem o país rumo à remoção das correntes que ainda nos amarram ao subdesenvolvimento.

Quem é o melhor para acabar definitivamente com o tratamento desumano dos pacientes que procuram atendimento médico? Quem é o melhor para fazer as nossas crianças saírem da escola sabendo ler, escrever e fazer contas? Quem é o melhor para reduzir os índices de criminalidade e proteger os cidadãos contra os bandidos? E quem é o melhor para conduzir a economia gerando ao mesmo tempo empregos e equilíbrio ambiental?

No fim das contas, o eleitor prestará atenção aí. Assim como elegeu Luiz Inácio Lula da Silva quando concluiu que a principal coisa a fazer era combater a pobreza e a desigualdade. E cada um dos candidatos terá trunfos. Todos têm currículos respeitáveis. Que a turma da campanha negativa tire o cavalinho da chuva: não será com ataques que vão derrubar Dilma, José Serra ou Aécio Neves e Marina Silva. Quem tentar vai desperdiçar energia, dinheiro e tempo de rádio e televisão. Talvez sirva para tirar o adversário do eixo, o que já é alguma coisa. Mas só.

Até porque o ambiente no país é de otimismo. E deverá continuar assim no ano que vem. E mau humor não combina com otimismo. O eleitor não sairá de casa no dia da eleição querendo comer o fígado de ninguém. Será um belo desafio para os candidatos e seus marqueteiros: como fazer uma campanha combativa, que enfraqueça o adversário, sem entretanto bater de frente com o espírito do tempo, com o sentimento geral.