Título: Alta temporada na favela
Autor: Weber, Demétrio; Leite, Renata
Fonte: O Globo, 21/01/2013, Rio, p. 6

O canadense Ryan Robutka trocou as temperaturas negativas do inverno de Vancouver pelo calorão do Rio nas férias deste ano. E já desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim, semana passada, com uma certeza: visitaria uma das famosas favelas cariocas. Lá estava ele sábado, no alto do Morro Dona Marta, abraçando a estátua do astro Michael Jackson. Um sorriso mostrava sua satisfação com o que via, o "Brasil real", em suas palavras.

- É muito interessante ver como as pessoas vivem. Lá de baixo não dá para notar quantos caminhos existem aqui - observou, já com planos de abocanhar um prato de arroz, feijão, bife e batata frita num dos restaurantes locais.

Ryan é um dos milhares de turistas que chegam à cidade com o intuito de se aventurar em meio às vielas de uma comunidade, como comprovou pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a pedido do Ministério do Turismo. No Galeão, mais da metade dos turistas ouvidos disse ter interesse em visitar favelas cariocas. O índice foi de 58,2%, entre os brasileiros, e de 51,3%, entre os estrangeiros. Os resultados do levantamento serão entregues hoje ao vice-governador Luiz Fernando Pezão.

O percentual maior de turistas nacionais do que de estrangeiros interessados em conhecer favelas surpreendeu os pesquisadores. O guia Thiago Firmino, que nasceu no Dona Marta, conta que, anos atrás, eram mais "gringos" que subiam o morro. Mas, hoje, os dois públicos estão bem equilibrados na compra de seus passeios, que custam R$ 50 por pessoa. O Dona Marta recebe, mensalmente, dez mil turistas, sendo sete mil brasileiros e três mil estrangeiros, segundo contagem da associação de moradores da comunidade.

Outra questão revelada pela pesquisa, realizada em 2011, diz respeito ao baixo consumo de turistas na favela. Dos visitantes do Dona Marta, 61,4% desembolsaram no máximo R$ 5, gastos principalmente com água e refrigerantes. Apenas 9,5% declararam ter comprado artesanato ou alguma lembrança. Para os pesquisadores, a estrutura de comércio e lanchonetes é deficiente. Outro problema é a falta de banheiros públicos. Moradores disseram ter a impressão de que os turistas têm nojo de comer no local.

A alemã Lisa Muehlbacher, que esteve no Dona Marta, admitiu que não almoçaria no morro por receio. Tudo devido à má impressão causada pelo lixo acumulado em vários pontos da favela. Uma vala com esgoto corta o principal ponto turístico da comunidade, a laje do Michael Jackson.

O baixo consumo na favela contradiz a percepção geral declarada por 82,1% dos turistas brasileiros entrevistados no aeroporto, de que esse tipo de atividade traria benefícios sociais à comunidade. Entre os estrangeiros, esse percentual foi de 73,2%. Percentual similar de estrangeiros - 73% - declarou que as operadoras de turismo lucram com a miséria, ante 65,8% dos brasileiros.

O estudo ouviu 900 pessoas que deixavam o Rio, sendo metade brasileiros e metade estrangeiros; 400 estrangeiros que faziam o passeio no Dona Marta; e 25 moradores, trabalhadores e policiais do morro, que falaram na condição de anonimato.

O levantamento tratou também de outra questão polêmica: o comportamento de quem visita a favela. Para 70,2% dos estrangeiros ouvidos no aeroporto, os turistas se comportam como num "zoológico de pobre". O percentual de brasileiros que pensam assim é menor: 46,1%.

Focos de tensão entre turistas e moradores

Para a socióloga Bianca Freire Medeiros, uma das responsáveis pela pesquisa, o turismo em favelas tende a crescer:

- Existe uma demanda internacional por esse tipo de atração. É um fenômeno global que ocorre na África do Sul, na Índia e no México. Os turistas estrangeiros que vierem ao Rio vão continuar procurando. E alguém vai lucrar com isso. Seria interessante que os moradores tivessem algum benefício - diz Bianca.

O levantamento no Dona Marta constatou que a relação entre moradores e turistas tem focos de tensão. Uma delas diz respeito à privacidade da população local, que reclama de visitantes que saem tirando fotos de tudo e todos, sem pedir licença. Houve inclusive moradores que expressaram temor com o destino das imagens, sobretudo de crianças, temendo a presença de pedófilos entre os turistas estrangeiros.

Do ponto de vista dos turistas, a pesquisa concluiu que há demanda por informações sobre a história da favela, bem como por atrações culturais.

O ministro do Turismo, Gastão Vieira, considera que as tensões podem ser reduzidas com a presença de guias locais. Ele defende a oferta de cursos para melhorar não só a formação dos guias, com o ensino de idiomas como o inglês e o espanhol, mas também para elevar a escolaridade dos moradores das favelas:

- Há uma troca de receios. É natural. Precisamos buscar essa interação. Não estamos acostumados a lidar com esse turismo de base comunitária. Temos a possibilidade de promover a inclusão, gerar empregos e renda.

Para os estrangeiros, o fato de o Dona Marta ter uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) - a primeira do Rio - não é decisivo para fazer o tour: 57% deles disseram desconhecer o "policiamento diferenciado". "De forma geral, esses dados podem ser interpretados como indícios de que a preocupação com a segurança não é central para a maior parte dos turistas que visitam o local, na medida em que possuem uma visão mais positiva do que negativa a respeito dessa dimensão", diz a pesquisa.

Mas, entre os turistas ouvidos no Tom Jobim, 76,3% dos brasileiros e 52,4% dos estrangeiros afirmaram conhecer o que são as UPPs, sendo que 65% dos brasileiros disseram que a pacificação seria crucial para sua decisão de visitar uma favela, ante 48,1% dos estrangeiros.