Título: Chamada às ruas
Autor:
Fonte: O Globo, 08/01/2013, Mundo, p. 27

Governo e oposição convocam manifestações na data marcada para posse de Chávez

CARACAS No ponto máximo da polarização causada pelas incertezas em torno do futuro político da Venezuela, chavistas e opositores convocaram a população para manifestações na quinta-feira, data prevista para a posse do presidente Hugo Chávez - que continua internado em Havana, sem qualquer sinal de que regressará ao país a tempo - em seu quarto mandato. Com o marcador #GranParoCívicoNacional, internautas difundiram nas redes sociais pedidos de uma grande paralisação do país, em protesto contra a falta de informações sobre o real estado de saúde do presidente.

Sem mencionar o evento, o governador de Miranda e líder da oposição, Henrique Capriles, acusou o governo, em sua conta no Twitter, de apostar na divisão do país para manter sua agenda política. "A realidade é que temos um governo que não governa, paralisado por completo! Não há liderança no governo que tome decisões relevantes", escreveu. Capriles defendeu que a posse de Chávez em 10 de janeiro não pode ser adiada, como sugerem os chavistas, e que a Constituição é clara a esse respeito.

O governo reagiu rapidamente. O vice-presidente, Nicolás Maduro, assegurou que a iniciativa da Mesa da Unidade Democrática de tentar parar o país deve fracassar:

- Nosso país é mais forte e está mais bem preparado. Se a oposição está convocando uma paralisação nacional cívica, nosso país vai responder. A resposta será da classe operária.

cabello: "O QUE TIVER DE SER FEITO"

O presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, foi ainda mais enfático e disse que "o governo fará o que tiver de fazer para que se cumpra a vontade popular de 7 de outubro", em referência à data da última eleição. Ele afirma não haver qualquer regra na Constituição afirmando que ele deve tomar posse no lugar de Chávez e acusa a oposição de planejar um golpe. O líder chavista fez um chamado à população para que se concentre na Praça Caracas, a poucos metros da Assembleia Nacional, em apoio a Chávez na quinta-feira. Explicou que nessa data será realizado um concerto com a Orquestra Sinfônica Juvenil em homenagem a Chávez, com a presença de governantes de vários países. Cristina Kirchner, presidente da Argentina, deve chegar a Havana no fim de semana para visitar o presidente. A imprensa uruguaia destacou a intenção do presidente José Mujica de viajar para a Venezuela.

Cabello negou que a Venezuela esteja diante de um vazio de poder desde que Chávez foi operado em Cuba no dia 11 de dezembro:

- Aqui não há nada que configure um vazio de poder e nada que dê esperança a eles (a oposição) de que Chávez se vá no dia 10 - disse.

Ontem, cerca de 2.200 personalidades de 90 países assinaram uma carta de solidariedade ao presidente, com nomes como o do ator americano Danny Glover, da ativista pacifista Cindy Sheehan, do argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz em 1980, e do poeta amazonense Thiago de Mello, entre outros.

IGREJA: "MORALMENTE INACEITÁVEL"

Mas o repúdio da oposição à prorrogação do mandato do presidente ganhou um aliado de peso: a Igreja Católica venezuelana. Para o presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, monsenhor Diego Padrón, apesar das diversas interpretações da Carta do país, está claro "na letra e no espírito" da Constituição que o mandato do presidente expira na quinta-feira, mesma data em que se inicia seu quarto mandato.

- Alterar a Constituição para alcançar um objetivo político é moralmente inaceitável - disse, ressaltando que os possíveis efeitos disso incluiriam os riscos de batalha por poder, violência, anarquia e ingovernabilidade.

Em seu documento anual, os membros da Igreja Católica dizem que a população está confusa e chateada com a falta de informações sobre o estado de saúde do presidente, destacando que, apesar dos 25 comunicados do governo, não houve sequer um boletim médico oficial. Os prelados ressaltam ainda que Chávez não é um paciente comum e que o governo tem a obrigação de detalhar a condição do paciente.

- Está em grave risco a estabilidade política e social da nação. Este é um momento histórico, difícil e incerto com características de uma situação complexa que poderia conduzir o país a uma encruzilhada perigosa - alertou Padrón.

Em resposta aos comentários da Igreja, com a qual Chávez sempre teve uma relação tensa ao longo de seus 14 anos no poder, Maduro disse esperar que a instituição mantenha uma conduta de respeito à vida política do país e à Constituição.

- O presidente já está em desenvolvimento de todas as suas funções. É um presidente reeleito que segue no cargo, e a mesma Constituição prevê, no artigo 231, que se há algum fato repentino o Tribunal Supremo de Justiça pode fixar nova data e juramentar o presidente - disse, numa interpretação da qual muitos advogados constitucionalistas divergem.