Título: Os artificialismos
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 17/01/2013, Economia, p. 24

O problema não é um preço defasado ou um pedido do ministro da Fazenda para que um prefeito adie um reajuste. O grande problema hoje é a profusão de artificialismos na economia brasileira. E se o ministro Guido Mantega cair, resolve? Não, porque quem realmente manda no ministério é a dupla Nelson Barbosa e Arno Augustin. E isso é outro artificialismo.

O poder do secretário do Tesouro, Arno Augustin, vai muito além da sua área. Ele fez parte, por exemplo, do reduzido grupo de pessoas que decidiu o formato da MP do setor elétrico. O secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, é mais ouvido pela presidente do que o próprio Mantega.

O problema não é uma pessoa, mas a proposta econômica envelhecida que acredita em administração de preço. O prefeito Haddad confirmou que recebeu pedido de Mantega para adiar o reajuste do ônibus. O secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda disse que o preço da gasolina está "defasado". Calcula em 7%, apesar de a Petrobras falar em 15%. Mas diz que não há certeza do reajuste. O órgão que conduz a política econômica admite que um preço está errado, mas diz que não há prazo para consertá-lo.

Em 2012, para evitar que o reajuste do preço para a Petrobras chegasse ao consumidor, o governo subsidiou a gasolina zerando a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Se o nome do imposto valesse e fosse o governo que pagasse a cada intervenção o tributo arrecadaria bilhões.

O preço artificial da gasolina produz vários efeitos colaterais: aumento da importação de gasolina, aumento do consumo, desorganização do setor de etanol.

A intervenção no domínio dos indicadores fiscais foi tão indevida que provocou enxurrada de críticas ao governo. Até o ex-ministro Delfim Netto, defensor-mor da política econômica, criticou a "alquimia" que levou o governo a fingir ter cumprido a meta fiscal. Para uma manipulação de indicador incomodar o ex-ministro é porque foi mesmo além da conta.

Na área fiscal, o transformismo de índices faz com que o BC tenha que se comportar como o último a saber. Durante todo o ano passado, o BC repetiu em suas atas e relatórios que partia do pressuposto que a meta fiscal seria cumprida. Não foi. Mas consta nos números que foi. E aí? O que dirão agora os documentos?

Na área dos preços, os truques, adiamentos, defasagens e subsídios criam uma inflação reprimida. Como sabemos, não adianta esconder, negar, varrer para debaixo do tapete porque a inflação sempre aparece.

O consolo é que o Brasil não chegou ao ponto da Argentina, que construiu uma grosseira mentira em torno da inflação. Tudo se passa como se eles não soubessem o poder corrosivo que tem a inflação quando ela resolve se vingar. A diferença entre o dólar paralelo e o oficial no país já está chegando a 50%.

Nosso quadro é diferente. Mas é bom ter em mente que nenhuma inflação some porque o governo deu incentivo fiscal para que o preço de um produto não suba naquele momento, ou combinou com um prefeito o adiamento do reajuste, ou proibiu uma empresa de rever seu preço. Como aprendemos dolorosamente, em economia não dá para apenas quebrar o termômetro.

Contornando reajustes de preços, combinando deduções tributárias com empresários, para que eles não reajustem, ou adiando elevações, o governo está criando um ambiente cada vez mais artificial na economia.

No século XIX se inventou a expressão "para inglês ver", referindo-se a uma lei que não era feita para ser cumprida, mas para enganar os ingleses. Agora, nem isso se consegue. Ontem, o "Financial Times" postou texto explicando o que era "jeitinho", dizendo que é isso que Mantega tem feito nos indicadores. Já não dá para enganar nem os ingleses. A hora, portanto, é de usar mecanismos econômicos clássicos para atingir as metas fiscais e de inflação. O jeitinho tem pernas curtas.