Título: Independência não melhora vida da população
Autor: Ribeiro, Efrém; Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 20/01/2013, País, p. 6

Moradores de Pau D"Arco (PI) e Jundiá (RN) ainda precisam recorrer aos municípios dos quais se emanciparam

leticia.lins@oglobo.com.br

Cobrança. A aposentada Francisca Pinheiro cerca o prefeito Antônio Milton para cobrar uma cirurgia de catarata

Ensino. Luana Santos, 8 anos, não reconhece as vogais

João Brito Júnior

Foto: Hans von Manteuffel

jovens cidades, velhos problemas

Pau D´Arco (PI) e Jundiá (RN) São 9h30 e o posto de saúde de Pau D"Arco (72 km de Teresina) está lotado porque o médico só atende em três dias da semana - terça, quarta e quinta-feiras, sendo que em um deles viaja para o interior visitando casas do Programa Saúde da Família. Quando um dos 4.200 habitantes de Pau D"Arco precisa de maiores cuidados ou atendimento de urgência é levado para um hospital em Altos (42 km da capital), município do qual foi emancipado em 2011.

Na última terça-feira, a fila estava maior porque a dentista não tinha ido trabalhar, e crianças e adultos ainda a esperavam em pé ou sentados em bancos de madeira.

Do posto de saúde de Pau D"Arco saiu, após falar com o médico, a agricultora Francisca Pinheiro, de 50 anos. Estava aborrecida porque há dez anos tenta fazer uma cirurgia de catarata e ainda não conseguiu autorização para realizá-la em uma clínica particular de Teresina, que custa R$ 2,8 mil, divididos em três parcelas.

- Eu não enxergo mais nada. Quando vou comer fico tateando a comida no prato para saber onde está a carne. Eu dei 14 votos para o prefeito e ele disse que iria providenciar minha cirurgia. - reclamou Francisca, que mora no povoado Traíra, na zona rural, ao ver o prefeito reeleito, Antônio Milton de Abreu Passos (PRB).

Diante das cobranças de Francisca, Antônio Milton diz que a prefeitura compra o colírio da agricultora, que custa R$ 70, e não pode pagar cirurgia em clínica particular. O prefeito afirma que está tentando inscrever a agricultora em um mutirão da catarata, que o governo do Piauí promove.

O drama de Francisca revela a precariedade das condições de vida dos habitantes de Pau D"Arco, que tinham esperança de melhorar de vida com a emancipação política de Altos, que fica a 30 quilômetros da nova cidade. Os indicadores sociais e econômicos do município continuam muito ruins.

Pau D"Arco tem 4.200 habitantes e 1,8 mil cargos públicos. Só 0,54% dos moradores têm coleta de lixo, 36,4% têm água encanada e 35% das crianças de 8 a 9 anos não são alfabetizadas.

A situação de Pau D"Arco se repete na maioria dos 58 municípios que foram criados no Brasil entre 2001 e 2010, onde a a situação da população não melhorou.

- Essa pesquisa é falsa porque todas as casas daqui têm água encanada e de graça. Quem não tem água encanada é o pessoal do interior, esse pessoal não mora na cidade - rebateu Antônio Milton.

A prefeitura de Pau D"Arco tem tantos funcionários, que um deles é encarregado de dar café com leite e água para os visitantes da cidade.

Antônio Milton revela a realidade de Pau D"Arco ao mostrar que o posto de saúde funciona em uma casa alugada e o hospital, orçado em R$ 308,694 mil, teve as obras iniciadas em julho de 2011 e ainda não tem todas as paredes e telhado. A prefeitura está no cadastro de inadimplentes do governo federal, por falta de prestação de contas de verbas liberadas na gestão anterior, e não pode firmar convênios para obras como asfaltamento, construção de escolas ou de um simples calçamento.

A receita de Pau D"Arco é basicamente a transferência de R$ 650 mil do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A população é formada por adultos e idosos analfabetos, e a nova geração está indo para as salas de aulas porque os pais recebem o Bolsa Família, que condiciona o beneficio à frequência na escola. Porém, meninos e meninas de 10, 11 e 12 anos podem estar até no 3º ou 4º ano do ensino fundamental, mas não estão alfabetizados.

Cristiano Paulo Sousa da,Silva, de 12 anos, estudante do 3º ano no ensino fundamental diz que não sabe ler ou escrever, além de seu nome. - As professoras faltam muito, e as que vão não se interessam em ensinar, a gente vai mais pela merenda escolar -, afirma Cristiano Paulo, que foi reprovado por três anos consecutivos.

crianças sem ler e escrever

Caçula dos 167 municípios do Rio Grande do Norte, Jundiá não possui hospital, maternidade, nem cemitério urbano. Não tem saneamento básico, e a água só chega às torneiras em dias alternados. Também não dispõe de mercado público e creche, ambos ocupados por famílias sem teto que migraram da área rural. Não tem nem feira, um setor que normalmente movimenta a economia do interior do Nordeste. A prefeitura não possui prédios próprios e não recolhe um só tostão de IPTU, o Imposto Territorial Urbano, que engorda a receita de qualquer prefeitura. Criado em 1997 e funcionando com autonomia de fato desde 2001, o município, a 70 quilômetros de Natal, não conta nem com avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que, provavelmente, não seria dos melhores. Afinal, entre os municípios recentes, Jundiá é o que ostenta o pior indicador na área de educação: 59,8% das crianças com idades entre oito e nove anos não sabem ler.

Uma realidade que pode até parecer surpresa, diante das escolas municipais visitadas por O GLOBO, com aparência bem melhor do que o que normalmente se vê no semiárido da região. Mas a boa impressão fica nisso. A conversa com dez crianças entre oito e nove anos revela que só uma sabe ler e escrever, embora na escrita tenha errado cinco palavras em quinze. Luana Dayse dos Santos, oito anos, estudante da quarta série, só escreve o nome com letras maiúsculas e não sabe reconhecer as vogais. A julgar pelos números coletados ao final da administração passada pela Secretaria de Educação, está tudo bem na cidade. Foram 862 alunos matriculados, dos quais 81,87% aprovados, e a evasão não foi das maiores: 4,21% (menor que a média nacional). Os altos índices de aprovação, no entanto, mascaram uma triste situação.

- Os meninos daqui não aprendem a ler, a escola não ensina nada, só brincadeira. O pior é que todo mundo é aprovado sem saber nada - reclama Marluce Joaquim Barbosa da Silva, 44 anos.

O problema surpreendeu o Prefeito José Roberto de Souza (PMDB), que se defronta com outra dificuldade: professores fantasmas, que estão na folha de pagamento, mas que não aparecem na sala de aula. Ele já convocou os faltosos, mas ainda estuda o que fazer para melhorar a situação.

- Noventa e nove por cento dos nossos professores são formados. Quanto ao problema da aprendizagem, não é restrito a Jundiá, ocorre também em cidades vizinhas - entrega o secretário de Educação de Jundiá, Genilson Melo de Oliveira.

Ex-vendedor de água (em lombo de jumento) e ex-feirante que virou fazendeiro, o novo prefeito acredita que vai conferir ao setor público o sucesso que imprimiu à vida privada.

- A dificuldade é grande. Meus antecessores não deixaram um projeto estruturador nem traçaram objetivos para os primeiros doze anos da cidade - se queixa.

Em Jundiá, mais de 60% da receita vem do Fundo de Participação dos Municípios. A outra parte, de convênios. Mesmo assim, por falta de projeto, deixou de receber recursos para saneamento e implantação de aterro sanitário.