Título: Autenticidade e rastreabilidade de medicamentos
Autor: Montoro Filho; André Franco
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2009, Opinião, p. 15

Economista, Ph.D. em economia pela Universidade de Yale, professor titular da USP, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial

Recentes informações divulgadas pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) e pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a partir de operações da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal indicam a grande extensão do comércio ilegal de medicamentos. Segundo esses dados, somente no primeiro semestre de 2009 foram apreendidas mais de 316 toneladas de medicamentos irregulares. As irregularidades variam desde a falsificação, adulteração e contrabando de medicamentos até a produção de drogas não autorizadas pela Anvisa, passando pelo roubo e desvio de medicamentos, como testemunhamos recentemente com a descoberta de uma quadrilha que desviava produtos oncológicos de hospitais públicos.

O grande volume dessas transgressões e os enormes riscos a que ficam expostos os consumidores é preocupante. Na melhor das hipóteses, o produto é inócuo. O consumidor não recebe o tratamento adequado, mas não ingere algo pernicioso. Entretanto, na maioria dos casos, existe alta probabilidade de que o paciente pague para consumir algo prejudicial à saúde.

Essa ameaça à saúde pública tem chamado a atenção de autoridades, de entidades não governamentais e de empresas do setor farmacêutico e as estimulado a procurar mecanismos destinados a evitar ou minimizar essas ilegalidades. Uma das ferramentas mais eficazes para tratar o problema é um sistema eletrônico de rastreamento de medicamentos, criado no Brasil pela Lei nº 11.903/2009, de iniciativa da deputada Vanessa Grazziotin. Por oportuno, convém salientar que essa não é uma preocupação apenas nacional. Nos Estados Unidos e na União Europeia, entidades governamentais e não governamentais vêm buscando solução para problemas similares. E o consenso se direciona para um sistema de rastreamento de medicamentos.

O desenho básico do sistema é extremamente simples. É similar ao usado para veículos automotores. Cada veículo sai da fábrica com uma identificação única no chassi, armazenada em uma central de dados. Esse código informa as principais características do veículo e é associado a outras informações, como propriedade. As informações ficam à disposição dos interessados autorizados.

No caso do setor farmacêutico, as embalagens dos produtos sairiam dos laboratórios com um identificador único dos medicamentos (IUM) que seria armazenado em um banco de dados central. Esse número seria lido pelo distribuidor (atacadista) de medicamentos e transmitido eletronicamente para o banco de dados. O mesmo processo seria realizado no ponto final de venda (farmácias). Implantado o sistema, a qualquer momento esse número poderá ser acessado pelos interessados, fiscais, policiais e consumidores, para aferir e garantir a autenticidade dos produtos.

Para colaborar com a Anvisa na implantação do sistema previsto na Lei nº 11903/2009, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) coordenou um teste piloto de um sistema de rastreamento. Participaram sete laboratórios, cada um com um produto, três distribuidoras e quatro redes de varejo que enviaram os medicamentos para 11 farmácias e drogarias, localizadas em Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. No total, passaram no teste 75.733 medicamentos.

Os resultados obtidos foram auspiciosos. O impacto operacional dos procedimentos requeridos para a implantação do sistema foi pequeno e os custos adicionais se mostraram proporcionais à complexidade das linhas de produção existentes. Foi possível imprimir e ler os identificadores únicos (códigos Data Matrix) com equipamentos disponíveis no mercado e, portanto, livremente acessíveis a todas as empresas, sejam elas grandes, médias ou pequenas.

O teste piloto demonstrou a viabilidade da implantação de um sistema de rastreamento e autenticidade de medicamentos no Brasil. Entretanto, ficou patente que a extensão do sistema para todo o mercado é uma tarefa extremamente complexa, seja devido ao grande número de produtos transacionados, seja por causa dos milhares de estabelecimentos comerciais existentes. Uma tarefa dessa grandiosidade exigirá a colaboração de todos os participantes da cadeia farmacêutica. E uma firme condução do processo pela Anvisa, na filosofia de uma autêntica parceria público-privada, já que essa é uma situação em que legítimos interesses empresariais privados correspondem a um interesse público: a defesa da saúde da população brasileira.