Título: Diplomacia e negócios
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2009, Mundo, p. 16

Além de resolver as desavenças criadas pelo acordo que permite a presença militar de americanos em seu país, o presidente Álvaro Uribe chega a São Paulo com a missão de atrair mais capital dos empresários brasileiros

A visita do presidente colombiano, Álvaro Uribe, a São Paulo tem o objetivo principal de fechar pequenas feridas e grandes negócios. Hoje, em encontro na Federação de Indústrias de São Paulo (Fiesp), Uribe tentará convencer cerca de 130 empresários brasileiros a investirem em seu país e a comprarem mais produtos da Colômbia. Já em sua 10ª reunião oficial com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele deve verificar o estado atual das desavenças abertas em agosto, depois que assinou um polêmico acordo militar com o governo dos Estados Unidos para receber tropas americanas em território colombiano.

Na reunião de cúpula realizada em 28 de agosto, em Bariloche (Argentina), os presidentes dos países que integram a União de Nações Sul-americanas (Unasul) expressaram, claramente, rejeição à parceria que permite não só que os EUA combatam o tráfico de drogas na região, como também sobrevoem o espaço aéreo, se julgarem necessário. Na ocasião, Lula liderou o rechaço regional e pediu a Uribe ¿garantias jurídicas¿ de que as tropas americanas não fossem usadas contra terceiros países. Hoje, os dois presidentes com melhor índice de popularidade da região devem aparar as arestas(1) de vez, mesmo que o chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, insista em dizer que a relação com o Brasil não foi afetada ¿em nada¿ pelas diferenças expostas por Uribe e Lula.

O presidente da Colômbia vem ao Brasil acompanhado de seu ministro de Comércio, Indústria e Turismo, Luis Guilhermo Plata Páez, além de representantes de 85 empresas, para integrar o Encontro Empresarial Brasil-Colômbia. A principal intenção de Uribe é diminuir o déficit com o Brasil, que está negativo em US$ 1,4 bilhão. ¿O Brasil será determinante dentro da política de internacionalização da Colômbia¿, destaca Plata. ¿O comércio com o Brasil pode crescer com o acordo da Comunidade Andina de Nações (CAN) como o Mercosul, buscando conformar uma área de livre comércio de bens agrícolas e industriais¿, completou o ministro colombiano. De fato, a maior delegação de empresários do país andino corresponde ao setor de manufaturas e insumos (44 empresas), seguida pelo da agroindústria (21 empresas) e de vestuário (20 companhias).

Interesse mútuo ¿Há o interesse da Colômbia em atrair os investimentos brasileiros, mas também interessa aos empresários do país vender para a Colômbia e comprar produtos de lá¿, disse ao Correio o diretor adjunto do departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Thomas Zanotto. Ele ressalta que a corrente de comércio do Brasil com a Colômbia saltou de US$ 573 milhões, em 1998, para US$ 3,1 bilhões, em 2008: ¿Um crescimento muito significativo¿.

Apesar do desequilíbrio na balança comercial, o Brasil se consolidou como o terceiro maior investidor estrangeiro na Colômbia, com capitais na ordem de US$ 529 milhões. Zanotto destaca ainda que a Colômbia é um parceiro importante para diversas áreas, como bom importador do setor de manufaturados e de serviços, principalmente de engenharia. ¿Há ainda um potencial grande de fornecimento para a área de defesa da Colômbia¿, completou.

Um ponto importante que também favorece as trocas comerciais entre os dois países é a ordem jurídica. Em fevereiro, durante sua primeira visita ao Brasil este ano, Uribe enfatizou que a Colômbia já estava ¿preparada para receber aportes financeiros internacionais, pois possui um arcabouço jurídico com valor democrático e pratica uma política social séria¿. Zanotto concorda: ¿O negócio em si já envolve os riscos normais, então quanto mais estável for o país ¿ que é o caso da Colômbia ¿, quanto mais firme e respeitado for o marco jurídico, maior a facilidade para se fazer negócio¿.

Antes de voltar a Bogotá, Uribe inaugurará uma Mostra de Arte Colombiana na galeria da Fiesp e também se reunirá com o governador de São Paulo, José Serra. Amanhã haverá mais rodadas de negócios entre empresários colombianos e brasileiros, que já têm 200 reuniões agendadas.

1 - Grande influência O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o colombiano, Álvaro Uribe, lideram a lista dos governantes mais influentes da América Latina, segundo pesquisa realizada no ano passado pelo Consórcio Ibero-americano de Pesquisas de Mercados e Assessoramento (Cima). Quanto ao índice de aprovação em seu próprio país, o mesmo levantamento apontou Uribe no topo da lista da Iberoamérica, com 85%. Lula apareceu em segundo lugar, com 67%. Entretanto, no quesito simpatia, o brasileiro foi citado à frente dos demais líderes do grupo de países, com 53% dos votos. O estudo, publicado anualmente, baseou-se em 12.401 entrevistas em 22 países de todo o continente americano, além de Espanha e Portugal.

Principais pontos

Veja alguns temas que são destaque na agenda de discussões entre Brasil e Colômbia

Comércio O fluxo da balança comercial pende para o lado brasileiro, com superávit de US$ 1,4 bilhão no ano passado. Os principais itens exportados pelo Brasil foram: aparelhos celulares, com US$ 164,9 milhões; tubos de ferro e aço, US$ 89,6 milhões; e aviões de turbo-hélices, US$ 85,9 milhões.

Investimentos Depois que os presidentes Lula e Uribe assinaram, em 2003, acordos que ampliaram a aproximação comercial e de infraestrutura, o Brasil assumiu, em 2007, a posição de terceiro maior investidor estrangeiro na Colômbia, com US$ 529 milhões. O fluxo de capital colombiano para o Brasil, no mesmo ano, foi de US$ 167 milhões.

Defesa Os dois países têm inúmeros acordos assinados, entre eles para a vigilância conjunta dos rios amazônicos, o controle das fronteiras em até 60km do país vizinho, a cooperação no combate à fabricação e ao tráfico ilícitos de armas de fogo. Em agosto, o ministro da Defesa colombiano, Gabriel Silva, recebeu o colega Nelson Jobim em Bogotá e declarou o interesse do país em aumentar o intercâmbio de informações de fronteira.

Possíveis acordos na área militar Embraer-HO/AP Photo - 20/01/06 Aviões Super Tucano, da Embraer: Colômbia já manifestou interesse em coproduzi-los

No encontro entre os presidentes do Brasil e da Colômbia, serão examinados não só temas como comércio e investimentos, como também integração física, cooperação em defesa e em energia, informa um comunicado do Ministério de Relações Exteriores (MRE). Só neste ano, Lula e Uribe já assinaram acordos para parcerias na indústria militar, controle conjunto do espaço aéreo dos dois países (com limite de até 60km do território vizinho) e, em fevereiro, discutiram a possibilidade de realizar o intercâmbio comercial em moedas locais, deixando o dólar de lado.

Uma parceria interessante para os dois países pode ser a coprodução do avião militar Super Tucano, da Embraer, como informou ao Correio, no ano passado, a diretora de Planejamento do Ministério da Defesa da Colômbia, Yaneth Giha Tovar: ¿A Embraer cresceu tanto que, hoje em dia, tem muitos pedidos e pouco tempo para produzir. O que nós queremos dizer é: subcontrate-nos¿. A empresa brasileira já vendeu 177 unidades do modelo, das quais já entregou 100 (75 para o Brasil e 25 para Colômbia). Segundo Yaneth, a compra dos aviões da Embraer pela Colômbia foi feita em parceria off-set, que supõe contrapartidas por parte do fornecedor, como manutenção e investimentos.

Atualmente, o Brasil negocia a venda de 100 aviões Super Tucano à Força Aérea dos Estados Unidos ¿ o negócio depende ainda de um acordo de cooperação na área de defesa que está sendo negociado entre os dois países, segundo explicou o ministro brasileiro de Defesa, Nelson Jobim. Já o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, revelou que a Embraer também fechou recentemente uma venda de oito Super Tucanos para a Força Aérea da Indonésia. Na sexta-feira passada, foi o CEO mundial da fabricante de aviões Saab, Ake Svensson, quem declarou que o governo sueco avalia a possibilidade de comprar os aviões brasileiros Super Tucano e K390. Na América Latina, o modelo já foi encomendado pelas forças aéreas do Chile, República Dominicana e Equador.

Em março deste ano, o então ministro de Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos, também manifestou o interesse em participar da construção do avião de transporte militar similar ao Hércules. ¿A Colômbia manifestou ao Brasil que está interessada em participar nesse projeto com dinheiro, sendo sócia e fabricando algumas partes na Colômbia, de forma parecida como faz a Airbus na Europa.¿ (VV)