Título: Fôlego para negociação do clima
Autor: Baima, Cesar
Fonte: O Globo, 25/01/2013, Ciência, p. 30

O destaque dado pelo presidente dos EUA, Barack Obama, às mudanças climáticas em seu discurso de posse para o segundo mandato, esta semana, renovou as esperanças de uma mudança na postura do país nas negociações globais. Segundo especialistas, ao dedicar oito frases ao tema, mais do que a qualquer outro assunto, Obama sinalizou tanto para o público interno quanto o externo que os EUA estão dispostos a assumir compromissos de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, mais de 15 anos depois de assinarem, e nunca terem ratificado, o Protocolo de Kioto, até hoje primeiro e único acordo mundial do tipo.

"Vamos responder à ameaça das mudanças climáticas, sabendo que fracassar nisso seria uma traição a nossos filhos e às futuras gerações", disse Obama. "Alguns ainda podem negar o julgamento da ciência, mas ninguém poderá evitar o impacto devastador de incêndios descontrolados, secas debilitantes e tempestades mais poderosas".

- Existe uma paralisia histórica nas negociações e, se os EUA assumirem uma posição mais ativa, o cenário muda totalmente - avalia o ambientalista e consultor em sustentabilidade Fabio Feldmann. - Obama está preocupado com o legado que vai deixar para os EUA e para o mundo e, embora as questões dos imigrantes e dos gays tenham forte apelo interno, no cenário internacional a questão climática é a mais importante.

Redução de emissões por decreto

Segundo Feldmann, Obama deverá atacar o problema em duas frentes. Na doméstica, ele deverá usar decisão recente da Suprema Corte dos EUA, que reconheceu a autoridade da Agência de Proteção do Meio Ambiente (EPA, na sigla em inglês) para estabelecer padrões de eficiência energética e regular emissões que atravessam fronteiras estaduais, para evitar um enfrentamento com os conservadores no Congresso, que rejeitariam legislações neste sentido. Entre as medidas esperadas está a instituição de regras mais estritas para as usinas que usam carvão na geração de eletricidade, o que deverá estimular investimentos em fontes renováveis. E, assim como fez com a indústria automobilística no ano passado, a EPA deverá pressionar pela fabricação de eletrodomésticos mais eficientes no uso de energia.

- Isso vai permitir que Obama, por meio da EPA, obrigue a redução das emissões como que por decreto - diz Feldmann. - Só o fato de ele poder fazer isso vai facilitar a negociação política no Congresso, para que ratifique um eventual acordo global. É um instrumento de barganha que ele não tinha até agora e está sinalizando que vai usar.

Já no campo externo, Feldmann considera que a afirmação de que as mudanças climáticas são um fato comprovado cientificamente sinaliza que ficou para trás a atitude dos oito anos do governo republicano de George Bush, que dava voz e ouvidos aos céticos do clima.

O economista Sergio Besserman, por sua vez, também elogiou o discurso de Obama, mas acha que ainda é muito cedo para afirmar que ele vai se traduzir em uma postura mais ativa nas negociações climáticas.

- O que Obama disse é o que todo chefe de Estado minimamente informado sabe: de alguma forma, a ação humana está afetando o clima no planeta - comenta Besserman. - Mas quem acompanha o tema de perto sabe também, por meio de anos de pesquisas e relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), da gravidade da situação e que o tempo para manter o aquecimento global dentro de uma margem de segurança aceitável já passou. Os esforços voluntários que estão sendo feitos por várias nações, inclusive o Brasil, são bons, mas não têm sequer a chance de mudar o jogo.

Besserman, no entanto, também lembra que Obama tem alguns fatores que estão agindo a seu favor, caso decida levar os EUA a terem uma posição de mais liderança nas conversas sobre o clima. Segundo ele, o boom na exploração do chamado gás de xisto está mudando a matriz energética do país, aproximando-o de uma independência da importação de combustíveis ao mesmo tempo em que ajuda a tirá-lo do abismo econômico.

- Se este gás for usado para substituir outros combustíveis fósseis, como o carvão, gerando menos emissões, haverá coincidência entre o interesse econômico e uma postura mais agressiva nas negociações globais - avalia. - Num mundo com pouco tempo para chegar a um acordo, este é um passo de grande significado. Não existe negociação separada. Mudanças climáticas, autonomia energética e a saída da crise econômica caminham juntas, e Obama não foi tão firme levianamente. Ele sabe que tem por trás esta equação para apoiá-lo.