Título: Depois de Chávez
Autor: Gall, Norman
Fonte: O Globo, 27/01/2013, Opinião, p. 17

Marcelo

No dia de sua posse, o presidente Hugo Chávez estava ausente, provavelmente lutando contra a morte num hospital de Cuba depois de sua quarta operação para remover um tumor recorrente no abdômen. Em esforços frenéticos para manter algo do carisma e da autoridade de Chávez, enquanto a Venezuela afunda na desordem, seus mais próximos colaboradores reuniram milhares de partidários em frente ao Palácio Miraflores, em Caracas, e pediram-lhes que levantassem as mãos e fizessem este juramento:

"Juro, pela Constituição Bolivariana, que defenderei a presidência do Comandante Chávez nas ruas, com bom senso, de forma verdadeira e com a força da inteligência de um povo que se liberou do jugo da burguesia."

A genialidade de Chávez para a recompensa psicológica, concedida a seus seguidores, não é compartilhada por seus mais próximos colaboradores, que se encontraram em Havana com o alto-comando da Revolução Cubana dias antes da data prevista para a posse, 10 de janeiro, para decidir o que fazer. O vice-presidente Nicolás Maduro esteve pelo menos cinco vezes com o presidente Raúl Castro e o vice-presidente Ramiro Valdés, de Cuba, que por muitos anos dirigiram o aparato de segurança do regime de Fidel Castro. Valdés hoje supervisiona a massa de 40 mil cubanos enviados à Venezuela como médicos, instrutores esportivos, planejadores, assessores militares e agentes, muitos dos quais estão incorporados às Forças Armadas da Venezuela, aos ministérios do Exterior e da Fazenda, portos, rede elétrica, banco central e órgãos de inteligência.

Os cubanos também foram contratados para criar passaportes eletrônicos e carteiras de identidade, concentrando os dados pessoais dos 30 milhões de venezuelanos. Muitos desses serviços são pagos em espécie e em troca do fornecimento de mais de 100 mil barris diários de petróleo a Cuba, a preços abaixo do mercado, o que salvou a economia socialista cubana do colapso - ela vinha afundando para níveis próximos da subsistência.

A noção de uma "Cubazuela" emergente continua sendo uma questão delicada, especialmente entre os militares venezuelanos, apesar dos expurgos dos oficiais ressentidos com a interferência cubana na vida nas Forças Armadas. Em meio à confusão que hoje se aprofunda, não se pode esquecer que a conspiração está no DNA dos militares venezuelanos. O melhor exemplo disso é a carreira de Chávez como conspirador contumaz desde que era um jovem oficial, nos anos 1970, até a tentativa de golpe de 1992, que o lançou em ascendência política.

Virtualmente todas as mudanças nas estruturas políticas da Venezuela nas últimas sete décadas - em 1945, 1948, 1958 e 1992, com alternância brusca entre ditadura e democracia - foram precipitadas por levantes militares. Um provérbio decorrente dessas experiências, ainda repetido hoje, é que o próximo golpe será liderado por jovens oficiais ou sargentos desconhecidos para o governo estabelecido.

Qualquer que seja o resultado imediato, a Venezuela continuará sendo uma sociedade polarizada no futuro previsível, e o chavismo, um protagonista na política nacional, da mesma forma que o peronismo segue sendo uma força vital na Argentina seis décadas após a derrubada de Juan Domingo Perón, em 1955.

No entanto, a Venezuela hoje está ameaçada por severa inflação, tendo desperdiçado quase US$ 1 trilhão em receita do petróleo e empréstimos desde que Chávez ganhou a primeira eleição, em 1998. A inflação ao consumidor, não obstante controle de preços e maciços subsídios à importação, deverá romper a meta oficial de 20% no ano. Há estimativas de que o déficit fiscal alcance 17% do PIB, obscurecido por fundos à margem do orçamento acessíveis apenas a Chávez e seus colaboradores mais próximos. Até que Chávez retornasse a Cuba em dezembro para sua última cirurgia, funcionários vinham planejando uma grande desvalorização da moeda - o preço do dólar no mercado negro está quatro vezes acima da cotação oficial.

Até agora, a Venezuela tem sido salva do colapso econômico pela alta dos preços do petróleo na última década. Apesar de se gabar de uma das maiores reservas mundiais de petróleo, a produção venezuelana caiu de 3,2 milhões de barris por dia em 1998 para 2,4 milhões hoje, devido a politicagem, má administração e corrupção na empresa estatal.

A PDVSA, a estatal petrolífera, gerou oito novas subsidiárias para entrar nas áreas de construção civil e na produção, importação e distribuição de comida, expandindo sua folha de pagamentos de 39 mil para 115 mil desde 2002, a despeito de ter despedido 22 mil pessoas, incluindo a maior parte de sua equipe técnica e gerencial, que entraram em greve em 2002 em protesto contra a politização da companhia.

A Venezuela se tornou um dos maiores importadores de gasolina e diesel dos EUA, após uma série de grandes acidentes em suas refinarias e outras instalações, atribuídos a manutenção insuficiente, que também responde por blecautes elétricos crônicos em todo o país. O maior sintoma de desordem social é a epidemia de assassinatos e sequestros, que tornou Caracas uma das cidades mais perigosas do mundo e triplicou a taxa nacional de homicídios desde 1998 para mais de 50 em cada 100.000 pessoas.

A Venezuela representa uma advertência para o resto da América Latina a respeito do custo da degradação e a falência das instituições públicas. A história da Venezuela descreve o impacto da receita ascendente do petróleo em instituições fracas, agravado pela rápida urbanização. Depois que Chávez se for, a Venezuela continuará sobrecarregada pela pobreza e pelo conflito, até que iniciativas coerentes sejam desenvolvidas em esforços a longo prazo para superar a desordem e a polarização.

No momento, a economia está em frangalhos enquanto muitos potenciais sucessores, civis e militares, competem para assumir um legado duvidoso. Parte deste legado é a divisão das tendências democráticas na América Latina entre regimes populistas com instituições fracas - como em Venezuela, Bolívia, Argentina e Equador -, e repúblicas mais cautelosas - como Chile, Peru, Colômbia e México -, que lutam por estabilidade, crescimento e justiça social via engajamento mais profundo na economia mundial.