Título: A maior prejudicada é a própria sociedade, diz presidente da Abert
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 27/01/2013, País, p. 10

Deputado atribui decisões às "muitas décadas de opressão, de cerceamento de liberdade" vividas no país

A ordem do juiz Raphael Baddini de Queiroz Campos, de Macaé - de mandar lacrar o livro "Cinquenta tons de cinza" por considerá-lo impróprio a menores de 18 anos -revela um problema que tem sido considerado um dos mais graves pelas entidades de imprensa e por especialistas em liberdade de expressão: a censura judicial. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, o número de decisões de primeira instância que impõem a censura é crescente e altamente oneroso, não só para as empresas mas, sobretudo, para a sociedade.

-Consideramos essas decisões uma das maiores ameaças à liberdade de expressão hoje no país e temos percebido um aumento considerável da censura judicial. A maior prejudicada é a sociedade, que arca com o ônus de não ser informada. O prejuízo é irreparável- afirma Slaviero, para quem os prejuízos persistem mesmo quando essas decisões são reformadas pelas instâncias superiores do Judiciário.

Para o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que propôs a ação no STF que derrubou a Lei de Imprensa em 2009, o preceito de liberdade de expressão é "claríssimo" e foi assegurado pelo Supremo. No entanto, essas decisões judiciais persistem porque, segundo ele, "são muitas décadas de opressão, de cerceamento à liberdade; e as autoridades não querem a liberdade porque ela permite a fiscalização e o fim da impunidade".

A liberdade de expressão é assegurada pelo parágrafo IX do Artigo 5º da Constituição. O parágrafo seguinte trata de outro direito: o da privacidade. Professor de Direito da FGV-Rio, Thiago Bottino afirma que a Constituição abre margem a diferentes interpretações e que há um conflito de direitos, o que favorece as decisões de magistrados de primeira instância contra a liberdade de expressão:

-Não existe uma decisão final do Supremo (Tribunal Federal) sobre a censura judicial. Ele deveria ser provocado a julgar essa questão. Nada na Constituição é assim claro. A letra da Constituição é um ponto de partida para se interpretar a lei e chegar ao Direito. Em algum momento os direitos entram em atrito. E é preciso decidir quando há uma colisão de direitos.

Especialista em casos de censura à imprensa, a advogada Taís Gasparian defende que o interesse público deve se sobrepor ao direito à privacidade "de um ou dois indivíduos". Ela aponta ainda que, mesmo na Constituição, "fica claro que a liberdade de expressão não pode sofrer restrição, mas que há outros princípios":

- Os magistrados decidem de acordo com sua interpretação. Não devem ser punidos, mas respeitados. Para isso (reformar as sentenças) existem os recursos judiciais, existe o duplo grau de jurisdição. Tenho certeza de que, no caso do livro de Macaé, a sentença será reformada.

Para o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Ivan Sartori, é preciso lembrar que um juiz de primeira instância "trabalha solitário e vai julgar solitária e subjetivamente", diferentemente dos tribunais superiores, onde as decisões são colegiadas:

- A liberdade de imprensa é sagrada, mas existe uma linha tênue com a privacidade. Examinar essa linha entre os dois preceitos cabe ao juiz. Quando se trata de uma figura pública, existe mais elasticidade para aumentar o campo da liberdade. Mas a Constituição tem todos os direitos no mesmo nível.