Título: Segurança longe do razoável
Autor: Rizzo, Alana; D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2009, Política, p. 6

Segundo a Associação dos Magistrados Brasileiros, 94% das comarcas nordestinas não têm itens básicos. No Norte, 89% dos juízes se queixam de falta de policiamento

Presidente da AMB, Mozart Valadares se diz impressionado com a ação da criminalidade contra o Estado

A vulnerabilidade dos juízes brasileiros começa dentro dos prédios da Justiça. Fóruns sem estrutura de segurança e nenhum policiamento são comuns e episódios de violência, como queima de processos e de arquivos de investigação, espalham o medo. A situação é alarmante no Nordeste. O retrato das condições de trabalho dos juízes, traçado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mostra que em apenas 6% das comarcas nordestinas o policiamento é considerado suficiente. Em 94% delas não há itens de segurança, como detectores de metais, câmeras de monitoramento e alarmes.

No Norte, 89% dos juízes ouvidos disseram que não há policiamento suficiente nos fóruns. No Pará, a violência virou rotina. Nos últimos dois anos, foram registrados pelo menos 10 episódios graves no estado. No interior, o drama é ainda maior. Há casos de juízes ameaçados de morte, prédios apedrejados, incendiados e até destruídos. Em São Félix do Xingu, a mil quilômetros de Belém, um homem atacou o juiz Leonel Figueiredo com uma pá de pedreiro. Apenas um policial fazia a segurança. Em Tomé-Açu, a juíza precisou ser resgatada por um advogado depois que o prédio foi completamente destruído. Em Marituba, um bando armado invadiu as instalações da Justiça e resgatou dois presos acusados de homicídio. Em Viseu, o fórum foi incendiado. Juiz e promotor tiveram que ser retirados de helicóptero. Quase todos os processos foram queimados. Em Barcarena, o juiz sofreu ameaça de morte. Em Santo Antônio do Tauá, o fórum foi apedrejado e queimado.

O número de casos é tão grande que a AMB e o Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) discutem soluções. ¿Quando um marginal tenta matar um promotor, um delegado ou um juiz é a criminalidade contra o Estado. Não podemos permitir¿, diz o presidente da AMB, Mozart Valadares.

No Sudeste, metade dos fóruns sofre com falta de policiamento. Onde há reforço na segurança, ele é considerado insuficiente por quase 90% dos magistrados. Em Sete Lagoas, a 70 quilômetros de Belo Horizonte (MG), houve tiroteio dentro do fórum no mês passado (leia mais ao lado).

Máfia No Rio de Janeiro, o poderio de traficantes e a violência de grupos ligados à máfia dos caça-níqueis e às milícias, especialmente na Zona Oeste, fez o Tribunal de Justiça (TJ) tomar medidas drásticas para tentar garantir a integridade de juízes e testemunhas. Duas varas criminais de Campo Grande foram transferidas para o fórum da capital, no centro. E as varas de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz não julgam mais crimes dolosos (quando há intenção de matar). Agora, esses delitos são da competência dos quatro tribunais do Júri, também no fórum central.

Acostumado a lidar com bandidos perigosos dessa região, o juiz Alexandre Abrahão já foi ameaçado. Diz que as piores investidas ocorreram quando teve que decidir processos relacionados aos caça-níqueis e às milícias. ¿Foi quando recebi mais ameaças por telefone e por cartas. Senti que fui investigado pelo crime, foi uma inversão de papéis¿, conta o magistrado, que atua na 1ª Vara Criminal de Bangu e anda com escolta diariamente.

Proteção, só de Deus

Mãe e juíza. Os dois ofícios travam uma batalha na cabeça da jovem magistrada do Rio Grande do Norte. ¿Depois que você tem filhos, a única preocupação é com eles¿, conta a jovem de 33 anos, cinco de profissão, e que prefere não se identificar. No ano passado, ela e a promotora da comarca de 11 mil habitantes foram juradas de morte por um traficante. ¿Corremos risco porque nossas sentenças sempre desagradam¿, diz. A juíza não anda armada e escolta é raro. Nos dias seguintes à descoberta da ameaça, um PM foi designado para acompanhá-la. Durou pouco. A cidade não tinha efetivo. ¿Ou ficava comigo ou nas ruas.¿ A única proteção vem de Deus. A cada vez que pega estrada, reza. ¿Somos vulneráveis¿, definiu. (AR)

Até troca de tiros

Marcos Avellar E Thiago Herdy

Os quatro buracos nas paredes das escadas do Fórum de Sete Lagoas, a 70 quilômetros de Belo Horizonte, são as marcas de uma tarde que por pouco não se transformou em tragédia. O local foi palco de uma troca de tiros entre um preso, que aproveitou da falta de segurança, e policiais, em uma tentativa de fuga. Pouco mais de um mês após a confusão, juízes e promotores públicos da cidade ainda criticam a insegurança que impera, principalmente, nos fóruns do interior.

O tiroteio foi em uma audiência na 1ª Vara Criminal, em 1º de setembro. Os detentos Maycon de Jesus Pereira e Diego de Lima Barbosa eram ouvidos pelo juiz Edilson Rumbelsperger. No fim do depoimento, o agente penitenciário Wandrew Shwenck de Assis, de 29 anos, foi recolocar as algemas em Maycon, que tomou a arma do policial. Antes de fugir, o preso atirou no rosto do agente. Ele só foi detido depois de uma troca de tiros com um policial civil, avisado da fuga.

Maycon foi baleado na perna esquerda pelo policial. Depois da captura, retornou ao presídio em Ribeirão das Neves. O agente Wandrew ainda corre risco de ficar paraplégico. O juiz Edilson Rumbelsperger por pouco não foi vítima. ¿A sensação que tenho é a de que os juízes da primeira instância são peças descartáveis do sistema judiciário¿, desabafou o juiz.

Personagem da notícia Escolta fixa há 11 anos Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press - 5/5/05

¿Esse negócio de medo não é comigo. Não posso manifestar covardia diante de vagabundos do crime organizado. Represento o Estado.¿ É assim que o juiz federal de Campo Grande (MS) Odilon de Oliveira, 60 anos, reage quando perguntam se tem medo de morrer. Ele é o magistrado brasileiro mais conhecido pelas ameaças que recebe do crime organizado. Anda com escolta há 11 anos, desde que o primeiro dos sete planos para matá-lo foi descoberto. Na casa em que mora com a família há um posto para os agentes da Polícia Federal (PF), que trabalham em revezamento. Ao todo, 10 homens da PF vigiam cada passo do juiz. Até na academia. ¿Tem um alojamento para os agentes, com local para guardar armas e uma central de monitoramento. Três ficam a noite toda monitorando toda a quadra em que moro. Quando um dorme, tem sempre outro colado no vídeo. É igual quartel, tem troca de turno¿, conta Oliveira, que teve que deixar de lado as corridas na rua e as noites no clube de dança por causa das ameaças. Para não causar constrangimento com tanto aparato, também não visita mais os amigos. ¿Tive que mudar completamente minha vida social.¿

O juiz também diz que a falta de privacidade o incomoda. Mas não se arrepende das decisões que tomou. ¿Eu me arrependo é de não ter sido mais rigoroso com a bandidagem¿, dispara. O magistrado já poderia estar aposentado, mas não pretende fazer isso tão cedo. De uma coisa ele tem medo: de perder a escolta e virar isca fácil. ¿Depois que você se aposenta, vai ser esquecido, descartado, jogado para os leões¿, lamenta. Oliveira torce pela aprovação de um projeto de lei, em tramitação no Congresso, para que tenha direito a continuar tendo proteção policial mesmo quando pendurar a toga. (MD)