Título: Asfixiados, queimados e pisoteados na boate
Autor: Otavio, Chico; Ilha, Flávio
Fonte: O Globo, 28/01/2013, País, p. 3

Incêndio em danceteria deixa pelo menos 231 jovens mortos e revela descaso na segurança

Chico Otavio e Flávio Ilha

Fileira de corpos. Parentes das vítimas do incêndio, auxiliados por equipes médicas, identificam os mortos levados para o Centro Desportivo Municipal em Santa Maria

Efeitos pirotécnicos contra um teto coberto de espuma. Uma única porta de entrada e saída, assim mesmo trancada quando tudo começou. Seguranças impedindo a fuga imediata das pessoas. Pelo menos um extintor de incêndio em pane na casa lotada, cujo plano de prevenção e controle de incêndios estava vencido desde agosto do ano passado. Essa sequência de erros provocou, na madrugada de ontem, o segundo maior incêndio da história do país, uma tragédia com 231 mortos e 106 feridos que calou o domingo dos brasileiros. O fogo, iniciado no show de uma banda local, devastou em poucos minutos o futuro de centenas de jovens e suas famílias na cidade de Santa Maria (292 quilômetros de Porto Alegre), destruindo a boate Kiss, onde cerca de 1,2 mil pessoas, a maioria universitários entre 18 e 21 anos, celebravam a festa ironicamente batizada de "Agromerados".

O cenário de horror encontrado pelos bombeiros dá a medida da tragédia, a terceira maior do mundo em boates. Pelo relato do comandante-geral da corporação em Santa Maria, coronel Guido Pedroso Melo, eles encontraram dificuldades em entrar no local por haver "uma barreira de corpos" bloqueando a passagem. Parte das vítimas estava dentro dos dois banheiros da boate. Elas correram para lá, em meio ao fogo e fumaça, por acreditar que seria uma porta de saída. A maioria morreu asfixiada, empilhada até o teto. Desesperados, bombeiros e voluntários rompiam as paredes da boate a marretadas.

"Agromerados" foi organizada por estudantes de agronomia, medicina veterinária, pedagogia, zootecnia e agronegócios da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Eram 2h30m de ontem quando a banda "Gurizada Fandangueira", após subir ao palco, acionou um efeito pirotécnico. Como o teto era baixo, a chama atingiu o isolamento acústico, iniciando o incêndio. O fogo alastrou rapidamente e provocou uma confusão generalizada. Todos fugiram desesperados para o mesmo local.

- Era tudo preto, a decoração, as portas, não tinha luz. Corríamos sem saber para onde. Fui instintivamente em direção ao que achei que fosse a porta. Era um labirinto, tudo cheio de curvas - lembra Valterson Wottrich, vocalista e guitarrista da banda Pimenta e seus Comparsas.

Segurança da boate, Rodrigo Moura conta que pegou um extintor de incêndio para conter as chamas, mas o aparelho não funcionou. Na única saída, uma dificuldade a mais: com medo que as pessoas saíssem sem pagar, seguranças impediram a fuga. Só cederam depois de perceber a fumaça se alastrando.

De manhã, no Centro Desportivo Municipal, para onde foram levados os corpos, a fila de parentes atingiu de 500 metros de extensão. Celulares, deixados com outros pertences junto às vítimas, tocavam insistentemente. A presidente Dilma Rousseff, que interrompeu uma visita ao Chile, esteve no local por 15 minutos e chorou ao consolar pais, amigos e parentes.

Com tantos problemas, só as investigações já abertas poderão dizer o que aconteceu na Kiss. O subcomandante da Brigada Militar, coronel Altair Cunha, disse que, embora o plano de prevenção de incêndios estivesse vencido, é normal que se permita o funcionamento quando os donos comprovam as medidas de segurança.