Título: Efeito duvidoso
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2009, Economia, p. 12

Setor financeiro critica taxação de 2% sobre a entrada de capital estrangeiro em aplicações financeiras porque seu efeito será inócuo e pode até apressar a entrada de dólares no país. Área exportadora aprova imposto sobre dinheiro especulativo

Depois de passar quase sete anos negando a intenção de estabelecer qualquer restrição ao capital estrangeiro no país, o governo anunciou ontem a taxação de investimentos externos em renda fixa, títulos públicos e bolsa de valores. Uma medida provisória a ser publicada hoje no Diário Oficial da União estabelecerá um Imposto de Operações Financeiras (IOF) de 2% sobre a entrada do dinheiro. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o objetivo é diminuir o fluxo de recursos especulativos e estancar a valorização do real frente ao dólar, que já chega a 36,1% neste ano (leia texto ao lado). Mas analistas acreditam que a iniciativa pode até produzir um efeito contrário em curto prazo.

Ontem, com o mercado sob a expectativa do anúncio, a cotação do dólar subiu um pouco. A tendência de médio prazo, entretanto, continua sendo a do fortalecimento do real. Para o consultor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da área internacional do Banco Central (BC), a cobrança do IOF pode assustar os investidores e aumentar a entrada de capital, em vez de reduzi-la. ¿É lamentável que o governo tenha feito isso. A medida pode ser um verdadeiro tiro no pé. Os estrangeiros podem concluir que, desse tamanho, a alíquota não adiantará nada e que vai aumentar. Com essa perspectiva, podem antecipar a vinda ao Brasil, aumentando o fluxo de recursos¿, disse.

Dessa forma, a cotação do dólar cairia ainda mais, num reflexo oposto ao desejado pela equipe econômica. Na avaliação de Freitas, não há como saber se a intenção do investidor que está entrando é meramente especulativa. ¿O dinheiro não entra com crachá¿, disse. A cobrança do imposto pode atrapalhar a vida de quem aplica no Brasil com a intenção de ficar por um período mais longo. Para o economista, o governo sucumbiu desnecessariamente à pressão dos exportadores, que se dizem prejudicados pela valorização do real, e o mercado pode arrumar formas de contornar a restrição com instrumentos financeiros sofisticados.

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a medida será inócua. ¿A valorização do real não é resultado de uma política cambial errada. O motivo é a melhora nos fundamentos econômicos do país, que o tornou atraente. O apetite pelo Brasil está muito grande. Ele é um dos poucos frangos gordos que ainda existem no mundo¿, afirmou. A outra razão é o enfraquecimento do dólar em todo o mundo, fruto do desequilíbrio das contas do governo dos Estados Unidos, problema agravado pela crise. Agostini acredita que a cotação da moeda norte-americana pode subir um pouco nos próximos dias, mas a perspectiva continua de baixa. A cotação pode até baixar a R$ 1,60 ou R$ 1,50 nos próximos meses.

Bovespa

¿Não há dúvida de que continua muito vantajoso colocar dinheiro no país. A valorização da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) em dólar chega a 130% neste ano e a taxa de juros permanece muito alta se comparada com os padrões internacionais. Uma taxação de 2% não faz nem cócegas¿, disse. Agostini reclamou também da imprevisibilidade nas ações do governo. No Chile, exemplo de restrição ao capital muito citado, a cobrança de tributos está estabelecida há décadas, com as mesmas alíquotas, que variam de acordo com o tempo de permanência dos recursos no país. ¿Agora, mudaram as regras do jogo de uma hora para a outra aqui.¿ Para ele, dado o efeito cambial inócuo da medida, o objetivo do governo pode ser meramente arrecadatório.

Desde março de 2006, quando chegou à Fazenda, Guido Mantega repetiu diversas vezes que não iria taxar o fluxo de recursos estrangeiros porque a medida seria ineficiente. Ontem, mudou de ideia. Carlos Eduardo de Freitas lembra outras experiências de restrição ao capital no país, umas bem-sucedidas, outras que redundaram em fracasso. Nos anos 1970, o governo estabeleceu depósito compulsório sobre a entrada e depois prazo mínimo durante o qual o dinheiro precisava ficar no Brasil. ¿Essas medidas funcionaram, mas vivíamos num mundo completamente diferente, com a economia fechada¿, disse. No primeiro governo Fernando Henrique, também houve uma quarentena, sem muito eficiência. O real foi até vítima de uma fuga maciça de capitais.

A medida pode ser um tiro no pé. Os estrangeiros podem concluir que a alíquota (...) vai aumentar e (...) antecipar a vinda ao Brasil, aumentando o fluxo de recursos¿

Carlos Eduardo de Freitas, consultor, ex-diretor da área internacional do Banco Central (BC)

Continua muito vantajoso colocar dinheiro no país. A valorização da Bovespa em dólar chega a 130% este ano e a taxa de juros permanece muito alta. Uma taxação de 2% não faz nem cócegas¿

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating

A valorização acumulada do real é de quase 30%. (...) As exportações de manufaturados caíram os mesmos 30%. O governo sabe que isso afeta o emprego na indústria¿

Armando Monteiro Neto, presidente da Conferderação Nacional da Indúistria

Opinião favorável

Enquanto o setor financeiro critica a taxação da entrada de capital estrangeiro, a área ligada às exportações considera a medida positiva ¿ caso do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto. ¿O governo, que tem um raio de manobra efetivamente pequeno sobre o câmbio, tinha de fazer alguma coisa. A valorização acumulada do real é de quase 30%, sendo que as exportações de manufaturados caíram os mesmos 30% até setembro ante igual período de 2008. O governo sabe da inquietação dos exportadores, porque isso afeta também o emprego na indústria¿, afirmou.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a taxação vai se dar de uma vez na entrada do capital. ¿O que determinou (a medida), por um lado, foi o crescente interesse pelo Brasil, que é uma das economias que mais oferece possibilidade de rendimentos e, por outro lado, um excesso de liquidez na economia internacional, que poderia causar sobrevalorização do real, prejudicando o emprego no Brasil, prejudicando a produção¿, disse Mantega.

O ministro argumentou que 25% da produção industrial do país é direcionada à exportação. ¿Com o câmbio valorizado, vai exportar menos, vai perder concorrência, inclusive contra concorrentes que nem usam as mesmas regras que nós¿, disse, citando que a China voltou a adotar um câmbio controlado. Ele reforçou que o regime adotado no Brasil continua sendo flutuante, e que o Banco Central seguirá comprando ¿o excesso¿ de dólares. ¿Podemos até pensar em outras medidas para atenuar algo que é quase inevitável, que é o interesse crescente que existe hoje pelo Brasil.¿

No caso do investimento direto estrangeiro (dinheiro aplicado na produção), ¿não muda nada, não há tributação adicional de IOF. Estamos mantendo o estímulo aos investimentos externos. São bem-vindos, continuarão a vir¿, afirmou o ministro, que disse ter convencido apenas ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a necessidade da medida. Lula havia negado qualquer possibilidade de adoção da medida.