Título: Crise continua para pequenos empresários
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2009, Economia, p. 16

Apesar de sinais da retomada do crescimento, demanda por crédito cai e pedidos de concordatas mantêm-se elevados

Enquanto os indicadores de vendas do varejo, emprego com carteira assinada, oferta de crédito ao consumidor e taxa de juros dão sinais de que a economia retoma a trajetória de crescimento em ritmo acelerado, dados de pedidos de recuperação judicial (antigas concordatas) mostram o contrário. A quantidade desse tipo de ação nos nove primeiros meses do ano já superou 2008 em 30,17%. Na comparação com agosto, a quantidade de concordatas também registrou alta em setembro, 13,30%. O problema é puxado principalmente pelas micro, pequenas e médias empresas, que devido à dificuldade de acesso ao crédito, intensificada pela crise financeira global, não têm conseguido pagar credores.

De acordo com os dados da empresa de informações econômicas Equifax, os meses mais críticos desse tipo de solicitação foram janeiro, março, maio e julho, nos quais ficaram concentradas as maiores altas de solicitações de recuperação judicial. Na comparação entre janeiro de 2009 com igual mês do ano passado, por exemplo, a quantidade desse tipo de ação subiu 354,55%. Em nenhum mês, houve redução no número de pedidos. Setembro, último período avaliado pela consultoria, comparado com mesmo mês de 2008, obteve incremento de 25,93%.

Para o advogado Roberto Belluzo, o aumento registrado no levantamento da Equifax é um movimento natural em função da crise e da restrição de crédito. ¿As empresas tiveram uma redução na concessão de crédito. Tiveram na outra ponta recuo do consumo e queda na margem de lucro. Assim, algumas passaram a enfrentar problemas de caixa. A consequência lógica era que aumentasse o volume de pedidos de recuperações judiciais¿, explica o advogado.

Desconfiança

Segundo o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as pessoas jurídicas de pequeno porte são 98% dos CNPJs do Brasil, respondem por 67% das ocupações e 20% do Produto Interno Bruto (PIB, tudo que é produzido no país). A despeito de ser um mercado grande para o sistema financeiro, junto com as médias empresas, as pequenas refletem um segmento onde o crédito ainda não se reestabeleceu. ¿Existe desconfiança de ambos os lados, tanto da oferta quanto da demanda. Pessoa jurídica de pequeno porte, em crédito produtivo, implica sempre riscos¿, disse o diretor de administração e finanças do Sebrae nacional, Carlos Alberto dos Santos. Segundo ele, um dos entraves que bloqueiam o crédito aos empresários está na dificuldade em oferecer garantias ao sistema financeiro.

O reflexo desse problema é visto nos dados de concordata da Equifax e nos números de crédito. Em setembro, o Indicador Serasa Experian de Demanda por Crédito registrou recuo de 0,9%, a segunda queda consecutiva. Nele, as micro e pequenas empresas figuram como o setor onde a restrição de crédito foi mais intensa ¿ a demanda acumulada no ano teve queda de 5,8%. ¿No auge da crise, no fim do ano passado, o crédito internacional ficou fechado e as grandes empresas tiveram de se financiar domesticamente. A corda arrebentou do lado do mais fraco. O sistema financeiro teve de atender a demanda das grandes empresas e o dinheiro para as micro e pequenas ficou complicado¿, avalia o gerente de indicadores da consultoria Serasa, Luiz Rabi, que aposta neste trimestre como período para o início da recuperação dos indicadores negativos.

O número 13,30% Elevação do número de pedidos de recuperação judicial em setembro sobre agosto

Realidade indigesta

Deco Bancillon

Enquanto o país ensaia os primeiros passos para sair da crise, o empresário brasileiro ainda se esforça para tirar o pé do atoleiro. A lógica de que um crescimento, mesmo que tímido, daria fôlego à produção não se aplica às empresas, que ainda sentem o baque da crise. ¿Existe um mundo dos economistas e um mundo dos negócios. No dos economistas, qualquer zero vírgula de ganho é comemorado. No dos negócios, um crescimento desses não é nada¿, pondera o especialista em empresas Carlos Stempniewski, professor das Faculdades Integradas Rio Branco, em São Paulo.

Na avaliação dele, a retomada do crescimento não reflete o real estado da economia, apesar do otimismo dos analistas de mercado. ¿Os economistas não correm risco em suas avaliações. Não precisam apostar o seu dinheiro, nem o seu ganha-pão nessas previsões. Os empresários, sim.¿

Há também o problema do custo Brasil, que reduz o lucro dos empresários mesmo em tempos de bonança. O gerente executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, diz que o país tem uma série de deficiências que acabaram mascaradas com o forte crescimento dos últimos dois anos. ¿O empresário brasileiro sofre com a falta de crédito e com a elevada carga tributária, que penaliza, sobretudo, os investimentos. Mas também é bastante prejudicado pela falta de desonerações às exportações e pela burocracia em questões de licenciamento ambiental e regulação de alguns setores¿, critica.

Ele relacionou o mau momento à crise. ¿Pode-se tirar como lição que essa retomada gera desafios e oportunidades, o que pode ajudar muito para que evoluamos no pós-crise.¿