Título: Remédio sem efeito no PIB
Autor: Beck, Martha; Fariello, Danilo; Valente, Gabriela
Fonte: O Globo, 03/02/2013, Economia, p. 41

Desonerações tributárias de quase R$ 50 bilhões, juros mais baixos da história e crédito abundante. Esses três elementos estiveram presentes na economia brasileira em 2012, mas não foram suficientes para fazer os investi­mentos e o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) deslancharem. Isso porque não vieram acompanhados de algo considerado absolutamente essencial por qualquer empresário antes de colo­car a mão no bolso: confiança. Econo­mistas, acadêmicos e técnicos da equi­pe econômica ouvidos pelo GLOBO fo­ram unânimes em afirmar que somen­te o "espírito animal" dos empresários, acompanhado de investimentos, teria turbinado o PIB no ano passado.

Faltou estabilidade no cenário inter­nacional. Também faltou clareza sobre a capacidade do mercado interno de continuar consumindo, sobre as regras para participar de grandes projetos de infraestrutura e sobre o que o governo pretendia fazer com as desonerações. Diversos incentivos foram dados e prorrogados no último minuto, alíquo­tas subiram e desceram, e setores foram incluídos a conta-gotas em programas especiais como o de desonera­ção da folha de pagamento.

O termo "es­pírito animal", cunhado pelo economista britânico John Maynard Keynes na década de 1930, pro­paga a ideia de que o investi­mento depen­de da confian­ça dos empre­sários. E foi esse otimismo que o governo não conseguiu despertar nos industriais.

O economista Júlio Gomes de Almei­da, do Instituto de Estudos para o De­senvolvimento Industrial (Iedi), lem­bra que a entrada da nova classe média no mercado de consumo, no segundo mandato do presidente Lula, deu âni­mo à indústria, que investiu na produ­ção e no aumento da capacidade insta­lada num ciclo que durou de 2007 a 2010. Mas, em 2011 e 2012, esse proces­so esmoreceu, o que significa que o in­vestimento também esmoreceu, num quadro agravado pela crise externa.

— O empresário acaba pensando du­as vezes. Se eu não tenho uma boa perspectiva dentro nem fora do país para os meus produtos, vou esperar pa­ra investir — explica Almeida.

INVASÃO ESTRANGEIRA

Além disso, os importados entraram com força no mercado .doméstico. De acordo com o presidente da Associa­ção de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, está ca­da dia mais difícil concorrer com o produto importado, que é livre do chamado custo Brasil. Ele também destaca que não adianta fazer pacotes de incentivo sem reformas estruturais e sem engrenar o investimento em in­fraestrutura.

— As exportações brasileiras dobra­ram nos últimos dez anos, mas os portos no Brasil são os mesmos. Está pas­sando o tempo e não tem reforma tri­butária, redução de burocracia, e o in­vestimento não deslancha.

Um dos obstáculos aos investimen­tos em infraestrutura em 2012 foi a fal­ta de clareza nas regras, o que gerou instabilidade jurídica. No setor elétri­co, as mudanças feitas pelo governo nos modelos de renovação das con­cessões para reduzir as contas de luz, por exemplo, preocuparam o setor, que sofreu com quedas bilionárias no valor de mercado das companhias.

— Quem não consegue visualizar cla­ramente o cenário futuro, não vai investir — diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Godoy estima que o total investido em infraestrutura hoje no Brasil chega a R$ 173 bilhões, mas precisará atingir R$ 248 bilhões até 2016.

No governo federal, a avaliação é que "não é um fracasso" o fato de a econo­mia ter crescido apenas 1% no ano pas­sado, diante de um cenário externo extremamente adverso, que prejudicou até mesmo setores altamente produti­vos, como a mineração.

— Desde o segundo semestre do ano passado, há a tentativa de se recuperar a competitividade da economia brasi­leira e o "espírito animal" do empresá­rio, até com desonerações horizontais, mas o impacto disso na economia tem uma defasagem — justifica um técnico da equipe econômica.

FALTA DE PREVISIBILIDADE

A decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de fazer um road show para apresentar a investidores os grandes projetos de concessão na área de infraes- trutura, que somam mais de R$ 300 biIhões, é vista como uma iniciativa positi­va pelo empresariado e por analistas.

— Até o fim de 2012, o governo perdia a batalha das expectativas, mas eu sinto que, no início deste ano, ele está que­rendo virar esse jogo — diz Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Cen­tral. — Isso passa por restaurar a confi­ança macroeconômica, que funcionou bem nos governos de Fernando Henri­que e Lula, lançando os vetores estru­turais que no mundo todo explicam o crescimento maior — acrescenta.

Para o economista-chefe da Confe­deração Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, o governo tam­bém deveria apressar o cronograma de concessões e nortear melhor os empre­sários. O economista lembra que o Conselho Monetário Nacional (CMN) só prorrogou o programa Reintegra, que cobra uma alíquota unificada de 3% sobre as vendas ao exterior, na últi­ma semana do ano passado. Os expor­tadores não sabiam se poderiam contar com essa regra para se programarem.

Uma venda para o exterior é fecha­da com três meses de antecedência ao embarque da mercadoria. A gente sabe que comércio exterior funciona com um horizonte mais longo. O que a in­dústria precisa é de previsibilidade — diz Castelo Branco.

Para o ex-presidente do BNDES José Pio Borges, na área de consumo, os incentivos tributários concedidos pelo governo já cumpriram seu papel. Para manter esse mercado em crescimento agora, afirmou ele, seria necessário fa­zer uma reforma mais ampla na estru­tura tributária, reduzindo a taxação in­direta que existe sobre as mercadorias.

Ele também afirma que o governo precisaria fazer uma política que redu­zisse as taxas de juros cobradas dos consumidores em serviços como car­tão de crédito e cheque especial.

A Taxa Selic (juro básico da econo­mia) caiu muito, mas os consumidores ainda pagam juros escandalosos — lembra Pio Borges.