Título: Depois da recessão
Autor: Szajman, Abram
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2009, Opinião, p. 19

Presidente da Federação e do Centro de Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc e do Senac

Enfim, conforme os números vêm indicando, o Brasil saiu da recessão, com especial destaque para o recente e significativo aumento de postos de trabalho com carteira assinada e do crescimento de 1,9% da economia apurado no segundo trimestre deste ano. A rigor, essa retomada de um ciclo virtuoso significa que voltamos à mesma conjuntura de setembro do ano passado, quando o país enfrentava uma série de problemas que se agravaram com a eclosão da crise financeira internacional. É animador constatar que a recessão ficou para trás, mas aqueles problemas não resolvidos, por força das circunstâncias, ganharam maior visibilidade e o que realmente importa é sabermos o que fazer de agora em diante.

No quadro dessa nova etapa, um dos pontos que mais preocupa, e que se reflete em toda a economia, diz respeito à crônica questão do deficit da previdência. A partir de uma projeção dos dados colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2025, o Brasil será a sexta nação do mundo a contar com o maior número de idosos no total de sua população. Esse é um número assustador no que toca à previdência, cujo deficit no mês de julho de 2009 foi 35,5% maior do que o registrado no mesmo mês do ano passado. Segundo o ministério responsável, o aumento foi devido à antecipação do reajuste do salário mínimo e ao pagamento de sentenças judiciais. Quanto a essas sentenças, só resta mesmo cumpri-las com dinheiro vivo. Entretanto, se o aumento do salário mínimo continuar atrelado às contas da previdência, avista-se no horizonte, em curto prazo, um problema insolúvel para o deficit.

Além disso, essa equação se torna perniciosa porque o desejável é que o salário mínimo possa ser cada vez mais aumentado, de modo a criar uma nova e imensa classe consumidora com reflexos evidentes na distribuição da renda nacional. Esse empenho na criação de um maior número de consumidores e, portanto, da ampla multiplicação de contribuintes para efeito de aumentar a receita governamental, foi uma lição deixada pelo presidente Roosevelt quando implantou o New Deal nos Estados Unidos após a depressão de 1929. No que diz respeito à atualidade brasileira, espera-se que o país venha a crescer em torno de 4% em 2010. Assim, com mais gente empregada poderá haver maior arrecadação, concorrendo para frear, pelo menos em parte, o deficit da previdência. É ver e contar para crer.

Ao longo de suas sucessivas campanhas eleitorais, o presidente Lula sempre bateu na tecla de que era preciso mudar o modelo econômico brasileiro. Entretanto, quando chegou ao Planalto, não só nunca mais se valeu daquela expressão, como deu tranquila continuidade ao modelo econômico existente. Agora, sim, depois da recessão e olhando para a frente, inclusive além de seu último mandato, é preciso que o presidente se debruce sobre um modelo econômico que, de fato, não precisa ser mudado, mas precisa ser aprimorado. Nos futuros orçamentos da União, é urgente que se repensem e recalculem os recursos destinados à educação e à saúde a par de maciços e sustentáveis investimentos em infraestrutura.

É verdade que o Brasil foi um dos últimos países e entrar na recessão e um dos primeiros a dela se livrar em função de apropriadas regulamentações aqui solidificadas, porém inexistentes em muitos outros países, notadamente os do chamado Primeiro Mundo. Quando o presidente Fernando Henrique implementou em seu governo o Proer, o Partido dos Trabalhadores, então de oposição, foi radicalmente contra. Agora, acabamos de assistir a um monumental e efetivo Proer de caráter internacional e, por ora, ainda ficamos perplexos quando vemos a nova administração dos Estados Unidos tornar-se sócia majoritária de montadoras de veículos, bancos, companhias de seguros, empresas imobiliárias e outros empreendimentos.

Essa realidade propõe uma reflexão com seriedade sobre a inutilidade dos rótulos que, desde setembro do ano passado, permeiam de forma sistemática a mídia e as análises dos economistas em todos os continentes. Não faz o menor sentido apontar ideologias liberais, ou neoliberais, ou social-democratas, ou até mesmo bolivarianas (se é que esta tem algum significado consistente) que tenham respostas definitivas para as questões que ainda afligem a maior parte da humanidade. Depois da recessão, ainda estamos meio de ressaca. Mas, nem por isso podemos deixar de constatar que o mundo só será generoso e habitável para todos na medida em que continuar girando na órbita da livre-iniciativa e da propriedade privada.