Título: Chá e vinho contra o alzheimer
Autor: Victor, Duilo
Fonte: O Globo, 07/02/2013, Ciência, p. 32

Substâncias químicas naturais encontradas no vinho tinto e no chá verde são capazes de quebrar o efeito da beta-amiloide, proteína causadora do mal de Alzheimer, de acordo com testes de laboratório feitos na Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Os autores da pesquisa explicam que a doença capaz de degenerar o cérebro começa quando os neurônios são intoxicados por uma proteína produzida pelo próprio corpo, a beta-amiloide, peptídeo que todos têm no organismo. De 15 anos para cá, passou a ser consenso na comunidade científica que pessoas com mal de Alzheimer têm a beta-amiloide dissolvida no sistema nervoso em forma de aglomerados, chamados de oligômeros. É a proteína neste formato que danifica os neurônios, impedindo a comunicação entre eles, num primeiro instante, para matar a célula tempos depois.

Desta vez, por meio de testes em laboratório, os pesquisadores britânicos descobriram que o resveratrol - substância encontrada na semente das uvas e no vinho tinto - teve capacidade de modificar o formato dos aglomerados de beta-amiloide de modo que não mais grudassem nas paredes das células. No chá verde, a substância que conseguiu remodelar os oligômeros foi o galato de epigalocatequina (EGCG, na sigla em inglês).

- Este é um importante passo para aumentar o entendimento da causa e progressão da doença de Alzheimer - disse o coordenador da pesquisa, Nigel Hooper, em anúncio feito pela universidade. - É um engano que o Alzheimer seja uma parte natural do envelhecimento; é uma doença que acreditamos que pode ser curada ao encontrar novas oportunidades farmacêuticas como esta.

O mal de Alzheimer é a principal causa de demência em idosos, leva à morte e atinge duas vezes mais as mulheres que os homens. A neurologista Valéria Bahia, da Sociedade Brasileira de Neurologia, explica que 0,2% das pessoas acima de 60 anos tem a doença. A partir dessa idade, a cada cinco anos, a incidência do mal de Alzheimer dobra.

A neurologista diz que, quando há a predisposição genética para o desenvolvimento do mal de Alzheimer, não há como evitar a doença, mas hábitos saudáveis podem retardar a degeneração. Levar uma rotina de boa atividade intelectual, dieta mediterrânea - rica em peixes, óleos vegetais e vinho -, manter atividades físicas e controlar a hipertensão e a diabetes são as melhores recomendações.

Os neurocientistas de Leeds testaram, em tubos de ensaio, os extratos do chá verde e do vinho tinto em neurônios de humanos e de outros animais com a beta-amiloide na sua forma tóxica. E notaram que a parede das células carrega uma proteína, a príon, que, quando defeituosa, funciona como uma antena para captar a beta-amiloide ruim. Quando as substâncias do vinho e do chá agem modificando o formato da toxina, elas deixam de se encaixar nos príons.

- As duas substâncias testadas na pesquisa britânica vêm somar ao arsenal de compostos que conseguem, em testes de laboratório, modificar os oligômeros. A passagem do sucesso no teste de laboratório para o teste clínico não é trivial, mesmo assim, o estudo é uma boa notícia para a evolução ao tratamento - avalia Sergio Ferreira, bioquímico e chefe do Laboratório de Doenças Neurodegenerativas da UFRJ.

Ferreira acrescenta o exemplo da curcumina - substância encontrada no açafrão-da-índia, também chamado de tumérico, ingrediente de algumas receitas de molho curry -, que conseguiu anular o efeito da proteína nociva em testes de laboratório.