Título: São quase favelas rurais
Autor: Souza, André de
Fonte: O Globo, 09/02/2013, País, p. 3
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, reconheceu ontem que o ritmo lento do programa de reforma agrária do Executivo provocou uma tensão entre o governo federal e os movimentos de trabalhadores sem terra. Segundo ele, foi necessário frear o processo, uma vez que muitos assentamentos estavam virando "quase que favelas rurais", sem condições para permitir o desenvolvimento de uma agricultura viável. As declarações do ministro vieram depois das críticas de movimentos agrários à diminuição do número de assentados no campo nos dois primeiros anos do governo Dilma Rousseff (PT).
- É real, e infelizmente verdadeiro, que no Brasil há muitos assentamentos que se transformaram quase em favelas rurais. Foi com essa preocupação que a presidenta Dilma fez uma espécie de freio do processo para repensar essa questão da reforma agrária e, a partir daí, tomarmos um cuidado muito especial em relação ao tipo de assentamento que a gente promove - disse Carvalho ao programa "Bom Dia, Ministro", da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
2012: 23.083 famílias assentadas
Em 2011, foram assentadas 22.021 famílias, número que teve leve acréscimo em 2012, chegando a 23.083. Segundo o Incra, nos dois primeiros anos de governo, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assentou 105 mil famílias. Já o ex-presidente Lula (PT), 117,5 mil no mesmo período de gestão. Até agora, o governo Dilma tem uma média de 22.552 famílias assentadas por ano, bem abaixo da média dos dois governos anteriores: 67.588 no governo Fernando Henrique e 76.761 no governo Lula.
Além da quantidade de famílias assentadas, também caiu o número de invasões durante o governo Dilma. Em 2012, a Ouvidoria Agrária Nacional registrou 176 invasões de terra no país. É o segundo menor registro dessas ações desde o início dos governos do PT, em 2003. Durante os dez anos de Lula e Dilma, ocorreram 2.344 invasões de terra em todo país, contra 2.462 nos oito anos anteriores de governo tucano.
- Há realmente uma tensão entre os movimentos de trabalhadores rurais e o governo, uma vez que os movimentos nos criticam pelo baixo índice de assentados nos últimos dois, três anos, de fim do governo Lula, início do governo da presidenta Dilma. Há, de fato, uma questão muito séria: nós não podemos fazer mais assentamentos em terras que não têm condições de permitir o desenvolvimento de uma agricultura que tenha viabilidade naquela região - disse Carvalho.
Até no PT a declaração de Carvalho provocou críticas. Qualificando de "inadequada" a comparação que o ministro fez entre assentamentos rurais e favelas, o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), líder do MST na Bahia, disse que o freio que Dilma deu na reforma agrária "é o grande erro do governo na área". Ele deu nota 5 para o desempenho do governo no quesito:
- O ponto central é o crédito agrícola? A criação de escolas e postos de saúde nos assentamentos? Claro que não. O essencial é a terra. Isso é básico. A reforma agrária só tem sentido se houver terra para os camponeses - rebateu Assunção, ponderando que enquanto o morador de favela não tem garantia de renda e moradia, o assentado tem, "o que melhora sua autoestima".
MST diz ter quase 90 mil famílias acampadas
Em janeiro, quando o número de invasões foi divulgado, o MST disse que as invasões desaceleraram nos dez anos de governos do PT por causa da lentidão do governo na criação de novos assentamentos de reforma agrária. Ontem, Carvalho lembrou que, ao lançar o programa Terra Forte, de apoio à industrialização em assentamentos da reforma agrária, Dilma assumiu o compromisso de dar continuidade à reforma agrária. O Terra Forte vai investir R$ 600 milhões em projetos de agroindústria para assentamentos.
- Não nos interessa a terra que não seja viável, agricultável. Não queremos assentamentos dependentes do Incra, assentamentos que sejam apenas uma forma de enganar as pessoas, dando a elas uma esperança que depois não se concretiza - disse Carvalho.
Milton José Fornazieri, da coordenação do MST, disse que a necessidade de desenvolver os assentamentos não pode ser usada como desculpa para diminuir o ritmo da reforma agrária, pois há muitas famílias acampadas. Somente no MST, segundo o movimento, são quase 90 mil famílias.