Título: Um paraíso agora com rampas e portas mais largas
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 10/02/2013, País, p. 6

As pernambucanas Mosana Cavalcanti e Yoko Sugimoto nem se conheciam. A amizade surgiu depois que suas vidas foram transformadas por tragédias. Vítima de um assalto, em 2003, a primeira levou um tiro que atingiu a medula e ficou paraplégica. E, em 2004, Yoko sofreu um acidente enquanto brincava em uma cama elástica no parque de diversões onde atuava como monitora. Ficou tetraplégica.

Ambas enfrentaram a reabilitação, foram a palestras e conversaram sobre as limitações dessa nova realidade. No fim de janeiro, reencontraram-se em Fernando de Noronha, um dos mais badalados destinos turísticos do país. E, lá, comemoraram a realização de um desejo que ficara para trás: voltar a tomar banho de mar.

O desejo se consumou depois que o arquipélago inaugurou o projeto "Praia sem Barreiras", o primeiro do Nordeste inteiramente voltado para aqueles que, como as duas, não tinham como ir à praia. A Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur) promete ampliar o programa para praias como Boa Viagem (que fica na capital) e Porto de Galinhas (no litoral sul, a 80 quilômetros de Recife).

O programa começou na praia do Sueste, rica em vida marinha e considerada uma das mais tranquilas do arquipélago, a 545 quilômetros de Recife. Foram instaladas rampas e esteiras que facilitam a locomoção de cadeiras de rodas. Ao chegar à praia, a pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida é levada em cadeiras anfíbias e desfruta tranquilamente do banho de mar. Monitores qualificados para o banho assistido trabalham entre 8h e 18h.

- Moro no bairro da Boa Vista e desde o acidente não ia à praia, porque a cadeira de rodas não tem rolamento para a areia. As calçadas não dão acesso e há dificuldade até para estacionar. Fiquei tão contente com meu primeiro banho de mar desde 2003, que até engoli água de tanta felicidade. Como sei nadar, pedi que me colocassem coletes e até saí da cadeira - conta Mosana.

em março, ação em recife

Coordenadora do Programa de Acessibilidade da Empetur, Mosana foi uma das idealizadoras do Praia sem Barreiras. Lembra que a esteira colocada na areia é especial e não esquenta, o que facilita, também, a locomoção de pessoas que andam de muletas. E já fala em novidades que devem ser implementadas em Recife e Porto de Galinhas.

- Queremos telefones públicos da altura das cadeiras de rodas e também transporte especial para quem quiser ir à praia.

Desde 2011, Yoko é monitora de um programa estadual de acessibilidade, o PE Conduz. Ela integra a equipe do call center e faz palestras motivacionais. Convidada para inaugurar o Praia sem Barreiras, não conseguiu esconder a emoção:

- Foi um momento mágico, uma sensação indescritível. No início, fiquei um pouco receosa, mas os monitores são extremamente cuidadosos e nos passam segurança. Ao final, já estava muito à vontade.

Segundo a Secretaria de Turismo de Pernambuco, o projeto em Noronha saiu por R$ 37 mil. Nove profissionais que atuam no Posto de Informações e Controle da praia de Sueste, no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, foram treinados para atender aos novos banhistas. Além do Praia Sem Fronteiras, cadeirantes contam com três trilhas que podem ser utilizadas por pessoas com deficiência em Fernando de Noronha. Juntas, elas somam uma extensão de 1,5 quilômetro.

Na última quinta-feira, Mosana viajou a Porto de Galinhas para discutir a implantação do sistema no mais famoso balneário pernambucano. O governo promete levar o programa à praia até o fim do ano. Em março, o sistema deve ser implementado em Boa Viagem.

O paraíso ecológico de Fernando de Noronha tem 3 mil habitantes e recebe cerca de 60 mil turistas por ano. De 104 pousadas, apenas oito oferecem quartos com acessibilidade. E, agora, todas estão sendo aconselhadas a adaptar suas instalações.

O governo diz que essa adaptação vai influenciar o número de "golfinhos" - as "estrelas" das pousadas de Noronha - que cada uma delas poderá ostentar na recepção. E quem não investir em mudanças - com a construção de rampas de acesso, portas mais largas, maior área de circulação e barras de segurança nos banheiros - corre o risco de perder seus "golfinhos".