Título: Acordo entre Estados Unidos e Europa põe Mercosul em xeque
Autor: Oliveira, Eliane; Paula, Nice de
Fonte: O Globo, 15/02/2013, Economia, p. 25

O ambicioso acordo de livre comércio entre Estados Unidos e União Europeia (UE), a ser fechado em, no máximo, dois anos, poderá causar efeitos danosos nas relações comerciais entre o Mercosul e as duas potências, segundo fontes do governo e especialistas ouvidos pelo GLOBO. O principal prejuízo seria a perda de espaço do bloco sul-americano nas negociações com os europeus, que passariam a dar prioridade a Washington. As discussões em torno de um tratado comercial entre UE e Mercosul, suspensas desde 2010, foram retomadas no fim do ano passado.

O anúncio não era esperado pelo governo brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores informou que está levantando o impacto que essa eventual negociação trará ao comércio brasileiro. De acordo com a área diplomática, o tratado poderá ser até positivo, desde que realizado dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

- O acordo não deve produzir desvio de comércio, nem substituir o esforço para destravar a Rodada de Doha - explicou um diplomata.

Uma fonte da área econômica comentou que o Brasil não pode ficar de fora dessa "onda liberalizante" e precisa, para isto, perseguir novos acordos internacionais. Como diversos países já têm acordos de livre comércio com os EUA ou com a UE - caso do Chile, da Colômbia e do México - os brasileiros poderão ficar isolados e sofrerem ainda mais com a invasão de produtos da China, que perderia vendas nos mercados americano e europeu.

- O Mercosul que está muito voltado para dentro, deixou de ser um acordo comercial e virou um acordo ideológico. O bloco do Chile vai trazer para cá comércio de outros países, com vantagens que o Brasil e o Mercosul não terão. Os EUA e União Europeia farão uma concentração muito grande de negócios e quem não fizer parte vai ficar isolado do mundo - disse José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Para o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), José Botafogo Gonçalves, está em curso um "banquete liberalizante", com a abertura dos mercados americano e europeu. Segundo ele, o Brasil tem de tomar providências urgentes, para não ficar isolado.

- O clube comercial criado por EUA e UE para fazer frente à China trará um impacto tremendo para o mundo inteiro - alertou Botafogo. - Por isso, não podemos ficar ausentes em negociações comerciais. Estamos há anos paralisados e, com poucas exceções, como Israel e alguns países do Golfo, não fazemos acordos com mais ninguém - acrescentou.

O diplomata, ex-ministro da Indústria e Comércio do governo Fernando Henrique Cardoso e ex-embaixador do Brasil na Argentina, defendeu que o Brasil passe a negociar acordos em separado do Mercosul, caso não haja consenso interno nas conversas com parceiros de fora do bloco. Lembrado que a união aduaneira tem uma regra que determina a negociação sempre conjunta, Botafogo argumentou:

- O Brasil é o maior país do Mercosul e, se quiser, pode revogar a resolução e pronto. O que falta é vontade política. Temos um poder econômico muito grande. Deveríamos usar mais isso.

Armando Castelar, da Fundação Getúlio Vargas, também disse que o Brasil está insistindo muito no Mercosul e se isolando demais. Segundo ele, todo acordo tem dois tipos de consequência: uma é criar comércio e outra é desviar comércio. No caso do acordo americano, a consequência ruim para o Brasil, é o desvio do comércio.

Na opinião do coordenador da área internacional da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Thiago Masson, a perda de espaço para os EUA nas negociações com a União Europeia é a grande preocupação, uma vez que o mercado europeu é o principal destino dos produtos brasileiros.

- Estamos falando da principal negociação comercial, desde a criação da OMC (1994/95). Como as tarifas de importação entre EUA e UE são baixas, devem ser negociadas a eliminação de barreiras não tarifárias.

Para Pedro Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria da Carne Suína, com esse acordo, o Brasil corre o risco de ficar para trás.

- O país pôs todo o peso nas negociações da OMC na Rodada de Doha, que não avançou, e precisa reagir em Genebra para não deixar os EUA correndo por fora, p orque a gente vai estar isolado - afirmou ele.

Para a gerente-executiva de negociações internacionais, Soraya Rosar, ainda não dá para calcular o impacto de um acordo entre as duas potências, mas há risco de o foco dos europeus se voltar complemente para os EUA.