Título: Papa apela contra egoísmo na Igreja
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 18/02/2013, Mundo, p. 24

Renovar a Igreja, não instrumentalizar Deus, rechaçar o orgulho e egoísmo. A poucos dias de cumprir sua decisão de renunciar ao comando da Igreja Católica no próximo dia 28, o Papa Bento XVI está reforçando e multiplicando suas mensagens. Neste domingo, na penúltima aparição dominical na janela do Vaticano, diante de mais de 50 mil fiéis e curiosos, o Pontífice dirigiu aos membros da Igreja - fiéis e sacerdotes - uma mensagem que pareceu inequívoca: é preciso mudar.

- A Igreja, que é mãe e mestra, chama todos os seus membros a renovar-se no espírito, a reorientar-se decisivamente rumo a Deus, renegando o orgulho e o egoísmo para viver no amor - disse Bento XVI.

O Papa demissionário insistiu num ponto que já havia levantado ao longo da semana: não instrumentalizar Deus para seus próprios fins, dando mais importância ao sucesso material.

Interrompido várias vezes por aplausos e gritos de “Bento!” e “Viva o Papa!”, ele disse em polonês, a língua de seu antecessor, João Paulo II:

- Agradeço muito a vocês pelo apoio na oração e proximidade espiritual nestes dias particulares para a Igreja e para mim.

E acrescentou, em italiano:

- Muito obrigado por terem vindo tão numerosos. Este também é um sinal de afeto e de proximidade espiritual que vocês manifestam nestes dias.

Mobilização pelo Twitter

O Santo Padre também enviou uma mensagem pelo Twitter pedindo aos fiéis para redescobrirem a fé. “A Quaresma é um momento favorável para redescobrir a fé em Deus como base para nossa vida e a vida da Igreja”, dizia o tuíte.

Quando o relógio bateu 18h (14h de Brasília), o Papa, cardeais e outros integrantes da Cúria Romana - que governa o dia a dia do Vaticano - iniciaram uma semana de “exercícios espirituais”, deixando um rastro de especulações e teorias da conspiração sobre os reais motivos da renúncia.

Oficialmente, o Papa tomou a decisão porque, aos 85 anos, sente que não tem mais força física para continuar. Mas analistas veem na renúncia uma evidência de crise numa Igreja tomada por disputas internas de poder e escândalos, sobretudo de pedofilia. Mais do que força física, o que o Papa não teve foi apoio interno para continuar, acredita Saltavore Izzo, um vaticanista da Agência Itália. Essa visão é sustentada também por outros analistas.

Mas neste domingo, na Praça de São Pedro, alguns fiéis, como a geriatra paulista Luciana Pricoli Vilela, de 33 anos, questionaram a ideia de disputas internas e divisões no Vaticano:

- Este Papa, como era antes o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, já tinha enfrentado todos estes problemas (escândalos de pedofilia) e outros até mais graves - sustenta ela, que, em Roma, é estudante de Teologia.

Para Luciana, Bento XVI percebeu simplesmente que “o dinamismo da vida moderna exige uma atitude diferente do Papa”, que ele não consegue mais fazer.

- Não podemos esquecer que, antes de João XXIII, os Papas viviam encerrados dentro do Vaticano. Não tinha agenda pública. Este Papa começou com o Twitter, o Papa João Paulo II fez muitas viagens internacionais… O Papa hoje tem que estar (fisicamente) próximo e ele está com dificuldade de viajar - arrisca.

Como estudante de teologia, ela diz que já achava Bento XVI brilhante, mas passou a admirá-lo ainda mais depois do anúncio da renúncia pela “demonstração de humildade”:

- Ele não está pendurando a chuteira porque não aguenta mais o peso da Igreja. Ele simplesmente percebeu que não tem mais forças físicas para levar adiante o peso do seu ministério.

A alemã Dorothy Reufels, de 28 anos, outra estudante de Teologia, colega da brasileira, disse que seu coração ficou partido quando Bento XVI anunciou a renúncia e afirmou que na Alemanha o Pontífice é adorado. Mas diz que, passado o susto, ela o estima ainda mais pela “humildade” do gesto. Como Luciana, Dorothy acredita na versão oficial: a de que foi o fator físico que o levou à decisão.

- Na forma como ele apresentou as razões, acho que é mesmo o melhor para a Igreja - disse.

Antonieta, uma católica do Kosovo que vive há 39 anos na Itália e frequenta a igreja, foi cedo para a Praça de São Pedro, com uma enorme bandeira na mão.

- Eu não quero acreditar em toda esta história de brigas internas… Porque depois perdemos o essencial da Igreja: de que o importante é Deus - afirmou a kosovar.

Transporte gratuito

Já a turista brasileira Rosemary Miotello, que chegou no sábado para sua primeira visita a Roma e foi direto para a Praça de São Pedro, opinou:

- Para mim, o motivo foi espiritual e humano. É a hora dele, foi Deus quem decidiu.

Com o número de fiéis na praça bem maior do que o habitual nas últimas aparições de Bento XVI no domingo, as autoridades de Roma fecharam a principal rua que desemboca na praça — a Via della Conciliazione - e mobilizaram uma tropa de policiais. Até o prefeito de Roma, Gianni Alemanno, estava na praça.

Agora, crescem as especulações sobre quem será o novo Papa, a ser escolhido por um conclave que pode ser antecipado e começar já no início de março. Enquanto isso, Roma se organiza para um afluxo excepcional de fiéis, prevendo, por exemplo, transporte grátis das estações de trem.