Título: Quanto mais fiscalização, melhor
Autor: Torres, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 21/10/2009, Opinião, p. 17

Deputado federal (PSDB-SP), é presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara

A cultura da fiscalização e do controle dos gastos públicos provoca temor e irritação a quem é objeto das ações realizadas pelos entes responsáveis por resguardar as despesas dos poderes executivos federal, estaduais e municipais. Em virtude de suas obrigações, o Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a tarefa de auxiliar o Congresso a evitar que os cofres públicos sejam saqueados, tornou-se alvo, ultimamente, de profundo desagrado por parte do Poder Executivo.

Ao longo do tempo, o tema fiscalizar e controlar os gastos públicos constituiu, apenas, um discurso de boas intenções que, na prática, inexistia. Com a expansão da cultura cidadã no país, ampliou-se a consciência em relação aos direitos individuais e à necessidade de cobrar correção por parte dos responsáveis pela administração do Estado e dos que são beneficiados com recursos da União.

Episódio recente da história da fiscalização dos gastos públicos é exemplar. Com o apoio dos três níveis de governo, o Comitê Olímpico Brasileiro apresentou, com sucesso, a candidatura da cidade do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Pan-Americanos. Em virtude de uma absoluta falta de planejamento e de compromisso com a legalidade, a impessoalidade e a economicidade, o evento, que custaria R$ 400 milhões e seria bancado em sua quase totalidade pela iniciativa privada, foi pago pelo contribuinte, e custou algo em torno de R$ 4 bilhões.

Essa é uma história de amplo conhecimento, que está a ser investigada, ainda, pelo TCU. E que não pode se repetir. Não apenas em relação à hipótese de ocorrência de corrupção. É imprescindível que os responsáveis pela gestão da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos submetam-se, com absoluto rigor, às exigências dos comandos legais que regulam licitações e contratos da administração pública.

Em razão desse oneroso legado, a Comissão de Fiscalização e Controle criou uma subcomissão para fiscalizar os gastos com a Copa de 2014, que assumiu, também, a tarefa de monitorar as despesas do governo com os Jogos de 2016. Para promover uma fiscalização preventiva, a subcomissão propôs a criação de uma instância integrada pelo TCU e pelos tribunais de contas dos estados e das cidades-sede da Copa. Iniciativa que deu à luz uma inédita Rede de Fiscalização, que está a formatar uma matriz comum para fiscalizar os dois eventos.

O procedimento viabilizará não apenas o acompanhamento da aplicação dos recursos públicos na organização dos dois eventos. Igualmente, evitará que os processos sobre as despesas tramitem de forma autônoma, assegurando aos trabalhos de fiscalização e controle efetiva agilidade, a partir do pressuposto de que os entes responsáveis pela matéria poderão requerer dos patrocinadores públicos seus orçamentos anuais, os procedimentos licitatórios previstos e os respectivos cronogramas de execução.

Para assegurar à sociedade o direito de conhecer como será gasto o seu dinheiro, a Rede de Fiscalização vai implantar, a partir de dezembro, um portal na internet. Que, para garantir total transparência às despesas, dará publicidade regular aos convênios, contratos, execução físico-financeira, ofícios, relatório fotográfico de todas as instalações, relatórios dos fiscais dos contratos e dos convênios, matriz de responsabilidade prevista e realizada.

E mais: para obrigar os agentes organizadores a alimentar o portal com todas as informações, dados e documentos relativos à execução das ações sob sua responsabilidade, projeto de lei definindo as ações e a forma de planejamento, execução, acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos públicos será apresentado hoje, pelo senador Renato Casagrande (PSB-ES) e por mim, determinando que em caso de não cumprimento dessa obrigação a liberação de recursos financeiros pela União e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o órgão executor será sumariamente interrompida.

Por não cultivar, no entanto, o sentimento que norteou a Inquisição, os órgãos que integram a Rede de Fiscalização vão dedicar-se, ao longo do trabalho preventivo de fiscalizar e controlar os gastos públicos com a Copa de 2014 e os Jogos do Rio, apenas e tão somente, à singela tarefa de garantir que a utilização do dinheiro da sociedade ocorra de forma legal. Para, assim, não ser necessário, encerrados os dois eventos, empenhar-se em uma cruzada inútil para recuperar um prejuízo de resgate impossível.