Título: Um Papa de transição rompe com a tradição
Autor:
Fonte: O Globo, 14/02/2013, Opinião, p. 20

A decisão do Papa Bento XVI de abreviar sua permanência na chefia da Igreja católica representa um sopro de modernidade de que a Igreja anda bem precisando. A função papal tem a ver, obviamente, com uma liderança espiritual, com uma consistência de doutrina que faz parte do ser católico. Mas também significa o comando de uma organização que se estende por todos os continentes, e tem um bilhão de adeptos. Como esperar que esse comando seja exercido por alguém que tenha chegado ao limite das suas forças - como no caso de agora, segundo as palavras do próprio Papa? Quando isso acontece, entra-se no terreno das "eminências pardas" - poderes paralelos que, segundo algumas fontes, teriam contribuído para a decisão dramática de Bento XVI.

O Papa resignante viu isso acontecer na fase final do pontificado de João Paulo II. Foram anos e anos em que uma certa paralisia parecia instalar-se progressivamente nos mecanismos de direção da Igreja. Isso sempre tem um custo - que, no caso, foi astronômico. Os casos de pedofilia no interior da Igreja - muitos deles vindos dos anos 60 e 70 - começaram a aparecer em proporção assustadora, devastando a Igreja católica em países como os Estados Unidos e a Irlanda. É impossível exagerar a gravidade desses fatos, e o mal que eles causaram à Igreja. Mas o Vaticano, pelos motivos citados, demorou demais a agir - e, quando o fez, viu-se muitas vezes o "esprit de corps" predominar sobre o que seria uma exigência gritante de justiça.

A Bento XVI coube assumir todo o peso e todo o ônus das apurações. Observadores imparciais dizem que ele fez o que era possível - ajudado nisso pela própria Igreja americana. Mas o sangue continua a brotar das feridas, e põe na sombra outros aspectos do seu pontificado - como um trabalho doutrinal simultaneamente claro e profundo.

É desse terreno convulsionado que partirá o sucessor de Bento. É um momento grave na história da Igreja, como se vê pela progressiva descristianização da Europa, ou, na América Latina, pela ruidosa ofensiva dos evangélicos. Comenta-se muito que seria hora de um Papa do Terceiro Mundo. Verdade ou não, o próximo Papa deverá afastar-se da linha "eurocêntrica" de Bento XVI. Também terá de trabalhar o que são linhas de atrito com o mundo moderno, como a questão do homossexualismo.

Cansado ou não, Bento XVI deixa um corpo de doutrina que tem poucos paralelos na nossa época - com sua ênfase na "razão integral" e na "teologia positiva" que ele explicitou de maneira luminosa. Mas a reforma da Igreja não será decidida só no Vaticano: ela precisa acontecer todos os dias, em cada esquina, em cada bairro. Como disse o Vaticano II, o destino da Igreja também está nas mãos dos leigos, do Povo de Deus.

Um Papa "de transição" rompe com a tradição

Adecisão do Papa Bento XVI de abreviar sua permanência na chefia da Igreja católica representa um sopro de modernidade de que a Igreja anda bem precisando. A função papal tem a ver, obviamente, com uma liderança espiritual, com uma consistência de doutrina que faz parte do ser católico. Mas também significa o comando de uma organização que se estende por todos os continentes, e tem um bilhão de adeptos. Como esperar que esse comando seja exercido por alguém que tenha chegado ao limite das suas forças - como no caso de agora, segundo as palavras do próprio Papa? Quando isso acontece, entra-se no terreno das "eminências pardas" - poderes paralelos que, segundo algumas fontes, teriam contribuído para a decisão dramática de Bento XVI.

O Papa resignante viu isso acontecer na fase final do pontificado de João Paulo II. Foram anos e anos em que uma certa paralisia parecia instalar-se progressivamente nos mecanismos de direção da Igreja. Isso sempre tem um custo - que, no caso, foi astronômico. Os casos de pedofilia no interior da Igreja - muitos deles vindos dos anos 60 e 70 - começaram a aparecer em proporção assustadora, devastando a Igreja católica em países como os Estados Unidos e a Irlanda. É impossível exagerar a gravidade desses fatos, e o mal que eles causaram à Igreja. Mas o Vaticano, pelos motivos citados, demorou demais a agir - e, quando o fez, viu-se muitas vezes o "esprit de corps" predominar sobre o que seria uma exigência gritante de justiça.

A Bento XVI coube assumir todo o peso e todo o ônus das apurações. Observadores imparciais dizem que ele fez o que era possível - ajudado nisso pela própria Igreja americana. Mas o sangue continua a brotar das feridas, e põe na sombra outros aspectos do seu pontificado - como um trabalho doutrinal simultaneamente claro e profundo.

É desse terreno convulsionado que partirá o sucessor de Bento. É um momento grave na história da Igreja, como se vê pela progressiva descristianização da Europa, ou, na América Latina, pela ruidosa ofensiva dos evangélicos. Comenta-se muito que seria hora de um Papa do Terceiro Mundo. Verdade ou não, o próximo Papa deverá afastar-se da linha "eurocêntrica" de Bento XVI. Também terá de trabalhar o que são linhas de atrito com o mundo moderno, como a questão do homossexualismo.

Cansado ou não, Bento XVI deixa um corpo de doutrina que tem poucos paralelos na nossa época - com sua ênfase na "razão integral" e na "teologia positiva" que ele explicitou de maneira luminosa. Mas a reforma da Igreja não será decidida só no Vaticano: ela precisa acontecer todos os dias, em cada esquina, em cada bairro. Como disse o Vaticano II, o destino da Igreja também está nas mãos dos leigos, do Povo de Deus.