Título: União de gigantes
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Fonte: O Globo, 14/02/2013, Economia, p. 23

EUA e Europa abrem negociações para acordo comercial bilateral até o fim de 2014

Muito além da OMC

Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) concordaram ontem em dar início, até o fim de junho, a negociações para criar a maior aliança comercial mundial livre, em um acordo que, em que pesem todos os obstáculos, pode dar novo fôlego a ambas as economias. O anúncio foi feito um dia depois do discurso do Estado da União, no qual o presidente americano, Barack Obama, expressou seu apoio a um acordo comercial com a UE, afirmando que isso ajudaria a criar empregos nos EUA. Tal acordo será a tentativa mais ambiciosa desde a fundação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, englobando metade da produção econômica do mundo e um terço das transações comerciais globais.

- Essas negociações estabelecerão um padrão, não apenas para o nosso comércio e investimento bilateral futuro, incluindo questões regulatórias, mas também para o desenvolvimento de regras comerciais globais - afirmou o presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE, José Manuel Durão Barroso.

O comunicado sobre a abertura das negociações foi assinado por Durão Barroso, Obama e o presidente da UE, Herman Van Rompuy. Eles afirmaram que o acordo será um forte condutor da prosperidade das economias americana e europeia.

Ao falar após a divulgação de um relatório conjunto dos EUA e da UE recomendando o início das negociações, Barroso disse que a expectativa é que os dois lados iniciem as negociações ainda neste semestre. Depois que o Congresso americano for notificado e que os 27 membros da UE concordarem, a expectativa é que o acordo seja fechado no fim de 2014 - um prazo ínfimo, considerando-se que a Rodada de Doha, de liberalização do comércio global, já se arrasta há uma década.

O relatório vê o acordo impulsionando a economia da UE em cerca de 0,5% e a americana em aproximadamente 0,4% até 2027, com um aumento de ¬ 86 bilhões de renda anual para a primeira e de ¬ 65 bilhões para a segunda.

Obama defende incentivo à indústria

Obama visitou ontem uma fábrica de peças para caminhões pesados em Arden, no estado da Carolina do Norte, para reforçar sua mensagem de fortalecimento da classe média - um dos pontos fortes de seu discurso na véspera.

- Eu acredito na indústria - afirmou o presidente americano. - Ela torna nosso país mais forte.

Apesar de a indústria responder por apenas 12% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) dos EUA, contra cerca de 70% do consumo, a Casa Branca afirma que esses números não refletem a importância de um setor que cria empregos bem pagos, distribuindo benefícios econômicos.

Além de discursar para os operários, Obama conversou com eles sobre o trabalho na fábrica e até autografou uma caixa de ferramentas. O presidente renovou seu apelo pela aprovação do Congresso para um plano de investir US$ 1 bilhão em 15 centros industriais nos EUA. Ele também propôs reduzir a alíquota dos impostos para a indústria de 35% para 25%.

No discurso do Estado da União, Obama ainda propôs elevar o salário mínimo do país em cerca de 20%, dos atuais US$ 7,25 a hora para US$ 9. Ele ressaltou que 19 estados já usam um mínimo acima do patamar federal, o que provoca disparidades. Mais de 15 milhões de pessoas nos EUA recebem o salário mínimo, ficando com uma renda anual de US$ 15.080 - abaixo do patamar usado pelo governo para delimitar a linha da pobreza, de US$ 15.130 anuais. Durante sua visita à fábrica, Obama defendeu sua proposta para o salário mínimo:

- Se você trabalha em tempo integral, não deveria estar na pobreza.

Transgênicos no caminho de um acordo

Com relação ao acordo comercial com a UE, no entanto, após um ano de discussões preparatórias entre Bruxelas e Washington, permanecem grandes diferenças, como a resistência da UE em importar dos EUA alimentos transgênicos. E Durão Barroso já avisou que um acordo não trará prejuízos à saúde dos consumidores.

- Não vamos negociar mudanças de regras básicas, sejam sobre hormônios (em animais) ou transgênicos - disse o presidente da Comissão Europeia.

Mas Michael Froman, vice-consultor de assuntos econômicos internacionais da Casa Branca, disse que o acordo tem grande potencial.

- Se quisermos seguir por esse caminho, queremos chegar lá com um tanque de gasolina, e não passar dez anos negociando assuntos que são bem conhecidos - afirmou Froman, numa referência velada às frustradas discussões de Doha.

Mas o comissário de Comércio da UE, Karel de Gucht, alertou que as discussões serão duras, sem "frutos fáceis de colher". As tarifas de importação dos dois lados já são relativamente baixas hoje: uma média em torno de 4%.

O maior estímulo a um acordo seria, no fundo, o temor da estagnação das economias americana e europeia. Froman disse que, para os EUA, "as estrelas agora estão alinhadas" para resolver problemas "que nunca conseguimos".