Título: No improviso, tratamento é feito sem diagnóstico
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: O Globo, 17/02/2013, País, p. 5

Laudos das presas com transtorno não são enviados ao presídio

-BRASÍLIA- Nas alas de tratamento psiquiátrico em presídios e manicômios judiciários, o atendimento médico chega por último às mulheres. São universos predominantemente masculinos. Com autorização da Justiça, O GLOBO esteve no Presídio Feminino em Brasília e conversou com as quatro mulheres com transtornos em cumprimento de medida de segurança.

Elas estão habituadas ao cárcere, mesmo absolvidas pela Justiça. Reincidentes no crime, voltam ao Presídio Feminino, onde o consumo de crack é regra. Não faltam medicamentos às detentas, forma de controle e de manter o convívio com as presas nas outras celas. Quando conversaram, estavam medicadas. As quatro são mães, perderam o contato com os filhos e estão distantes da família.

O improviso é tão grande que o Presídio Feminino e a ala montada ao lado não têm os laudos psiquiátricos com os diagnósticos que determinaram a aplicação das medidas de segurança. Inicialmente, a direção se recusou a dar informações dos prontuários das detentas. Depois, admitiu que os laudos não foram encaminhados ao presídio. O "tratamento" médico é feito sem um diagnóstico oficial em mãos.

— Eles me aplicam uma injeção porque eu surto. Queria matar uma mulher na cela — diz Ana Cristina, de 27 anos, presa em 2010 por suposto assalto à mão armada.

Diagnosticado um transtorno mental e a influência da doença na prática do crime, a Justiça a considerou inimputável e ordenou a aplicação da medida de segurança. Na prática, Ana Cristina cumpre pena. Primeiro, foi para o regime fechado, onde consumia crack. Endividada e sob ameaças, foi transferida para uma ala onde estão presas provisórias. Divide uma cela com 11 mulheres.

— É ruim ficar sem a droga. Queria voltar. Uso crack desde os 14 anos — diz a detenta.

Ana Cristina afirma ter sido mãe de oito filhos. Cinco morreram, conta. Um foi deixado no hospital após o parto. — Saí do hospital para fumar merla. Lembrei do bebê dois meses depois.

Na mesma ala, em cela diferente, está Lídia Dourado, de 24 anos, que diz ser portadora de esquizofrenia. São 11 mulheres no mesmo espaço. Ela é a única com transtorno mental. Acusada de homicídio, foi absolvida devido à doença. Não vê o filho há dois anos.

Há poucas diferenças entre o Presídio Feminino e a ala de tratamento psiquiátrico. A diferença está no gênero: homens em medida de segurança ficam na ala e convivem entre si; mulheres dividem espaço com detentas comuns.