Título: Yoani para a Câmara
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 21/02/2013, Mundo, p. 27

Depois de enfrentar protestos em Recife, Salvador e Feira de Santana, a blogueira cubana Yoani Sánchez foi recebida ontem no Congresso em meio a tumultos, tanto na entrada quanto na saída do prédio. A passagem da jornalista pela capital federal voltou a expor as divergências que a ditadura cubana provoca entre partidos de esquerda e legendas que fazem oposição ao Palácio do Planalto, como DEM e PSDB. No plenário da Câmara, houve bate-boca após a apresentação de um pedido de proteção federal para a dissidente. PT e PMDB entraram em campo e derrubaram o requerimento.

Logo que chegou ao Congresso, por volta do meio-dia, a blogueira foi recebida com festa por deputados oposicionistas. Num ato de desagravo na sala da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), parlamentares fizeram críticas ao regime dos irmãos Raúl e Fidel Castro e cobraram explicações do governo brasileiro sobre suposta espionagem contra a blogueira, que teria sido orquestrada pelo embaixador cubano em Brasília, Carlos Zamora. A manifestação teve até a presença do senador Aécio Neves (PSDB-MG), provável candidato do PSDB à Presidência da República nas eleições do ano que vem.

De bata branca e num tom de voz sempre moderado, Yoani respondeu a perguntas sobre o bloqueio econômico a Cuba e a prisão americana em Guantánamo, como exigiam seus adversários, mas atacou duramente a censura, a carestia, a escassez e a falta de liberdade para manifestação política, entre outros problemas da ilha. A blogueira, cujas despesas em Brasília foram pagas pela Câmara, disse ainda que está sendo "satanizada" por Raúl e Fidel Castro desde que criou o blog Generación Y, sobre o cotidiano em Cuba, há cinco anos.

Ao final da maratona pelo Congresso, ela estava exultante com a recepção, o maior ato político do que participou desde a criação do Generación Y.

- Este é o dia mais louco da minha vida. Eu pensava uma coisa e aconteceu outra - afirmou a blogueira antes de deixar o Congresso.

Yoani esperava uma recepção comum e disse ter se impressionado com a informalidade com que foi tratada pelos parlamentares. Em seu Twitter, postou que no Congresso brasileiro se pode aplaudir e vaiar. E não se incomodou nem mesmo com os gritos de "mercenária", que ouviu de integrantes do Comitê de Defesa da Revolução Cubana. Os protestos foram neutralizados em parte por um grupo de estudantes da UnB, que gritavam palavras de ordem contra a ditadura em Cuba, e pelos discursos inflamados dos parlamentares em defesa da blogueira e também contra o regime castrista. A dissidente cubana disse que pretende voltar em breve ao Brasil.

- Parece que aqui tem uma vitamina, uma adrenalina - afirmou.

Durante a sessão, em resposta ao deputado Glauber Braga (PSB-RJ), Yoani se declarou contra o bloqueio econômico dos Estados Unidos a seu país e contra a prisão na Baía de Guantánamo. A blogueira também defendeu a libertação de cinco presos cubanos nos EUA. Para ela, com o fim do bloqueio, os irmãos Castro não teriam outra desculpa para explicar o fracasso econômico da ilha.

O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) foi incisivo ao cobrar explicações do governo brasileiro e do embaixador cubano sobre uma reunião em que foi entregue aos participantes um dossiê contra a blogueira. Para o senador, Yoani Sánchez se tornou um símbolo da luta pela liberdade de expressão.

- Yoani é mensageira de um sonho universal de um mundo livre das amarras da injustiça e do despotismo. Sua presença aqui é a esperança de que o sonho se torne realidade em todas as partes do mundo - disse Dias.

Num tumulto na saída de Yoani da CCJ, os deputados Mendonça Filho (DEM-PE) e Domingos Sávio (PSDB-MG) se envolveram num empurra-empurra com manifestantes contrários à blogueira.

- O deputado (Mendonça Filho) meteu a mão e tentou tomar meus panfletos - reclamou o médico Wesley Caçador, coordenador de um dos grupos de defesa da Revolução Cubana.

A viagem de Yoani a Brasília foi organizada pelo deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), com a ajuda do senador Eduardo Suplicy.

- É preciso conhecer um pouco mais sobre a repressão ao pensamento em Cuba. Cuba está naquele estágio pré-democratização, onde a primeira bandeira é assegurada à liberdade de opinião e de votos - disse Leite.

Yoani já estava a caminho de São Paulo, quando o clima esquentou no plenário, durante a votação de um pedido de segurança da Polícia Federal, requisitado pela oposição. O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) provocou os autores do requerimento:

- A blogueira deveria se esforçar para ganhar o coração dos cubanos. Vejo que ganhou o coração da oposição brasileira, gente que tradicionalmente esteve envolvida na defesa de ditaduras em nosso país. No mérito do requerimento, não há fundamento e nem há justificativa para sua aprovação - afirmou o parlamentar.

Yoani chegou ontem à noite a São Paulo, sem os protestos que vivenciou em Brasília, na Bahia e em Pernambuco. Na chegada, disse que desde que saiu de Havana sua vida se transformou num furacão.

- Magnífica. Ainda estou processando todas as informações. Mas imaginem que eu tinha uma ideia do Brasil e agora essa ideia está multiplicada por dez - disse, ao ser questionada sobre suas primeiras impressões no Brasil.