Título: Índios não têm mais animais para a caça
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: O Globo, 24/02/2013, Economia, p. 43
Impacto socioambiental agora põe a construção de usinas hidrelétricas em xeque
Enviado especial
Minaçu (GO) A espingarda de Iawi, companheira de caminhadas pela selva, não tem balas. Tampouco elas são necessárias, porque já não existem animais selvagens a serem perseguidos na reserva dos avás-canoeiros em Goiás. A área é cercada por pasto e gado. O homem que era responsável pelo provimento da tribo também já não tem capacidade física para grandes perseguições cerrado adentro. Durante uma curta caminhada de 20 minutos até o córrego Pirapítinga, nas proximidades da aldeia, Iawi, de 53 anos, parou para recobrar o fôlego sete vezes.
Não há mais tempo para o índio ver os resultados de uma nova fase das políticas indigenistas no Brasil, que resultaram em um novo convênio firmado entre Funai e empreendedores no ano passado, visando à recuperação de aspectos culturais adormecidos entre os avás. Com anemia severa e baço aumentado, o resultado de um exame previsto para o dia 10 poderá comprovar as suspeitas de que tem leucemia.
Os avás-canoeiros estão entre as primeiras etnias beneficiadas pela Constituição de 1988, que obrigou que grandes projetos de infraestrutura com impacto em terras indígenas fossem submetidos ao Congresso antes da sua aprovação. Naquele momento, o foco principal era a demarcação das terras e a sobrevivência dos índios. De lá para cá, os debates quanto à interferência do homem branco nessas comunidades se acirraram com uma oposição cada vez mais forte aos riscos socioambientais dos projetos. Com isso, o governo tem adotado posição mais defensiva.
O novo convênio assinado entre Furnas e CPFL (empreendedores da usina hidrelétrica de Serra da Mesa) com a Funai já foi concebido de forma diferente do primeiro acordo, de 1992. As ações e metas previstas no convênio estão agora calcadas em uma preocupação maior com a preservação física e cultural das etnias. Casos como o dos avás-canoeiros são prioritários para a Funai por conta do número extremamente reduzido de integrantes dessa tribo.
Episódios recentes, como o debate internacional sobre a construção de Belo Monte, no Pará, e seu impacto sobre os povos do Xingu, têm levado o governo a reavaliar como aproveitar o potencial hidrelétrico brasileiro. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o potencial de construção de novas hidrelétricas no Brasil acabará entre 2025 e 2030 porque, diante de pressões internas e externas, há um entendimento de que o país não deve avançar mais pela Amazônia para gerar energia.
O caso de Belo Monte ganhou notoriedade internacional e fez o diretor James Cameron, de "Avatar", vir ao Brasil em 2009. Diante das críticas, o governo teve de montar uma força-tarefa na área de comunicação para defender o empreendimento, que nos últimos dias voltou a ter sua sustentabilidade contestada. Faltam contrapartidas para os empreendedores responsáveis.
Teles Pires também preocupa
Na quinta-feira, índios e o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, travaram um diálogo tenso, na entrada do Palácio do Planalto, por conta da construção da usina de Teles Pires, no Mato Grosso, e seus impactos nas comunidades. Por esses motivos, os últimos projetos que envolvem hidrelétricas na Amazônia, como as usinas do Tapajós, também no Pará, já exigem mais cuidados ambientais.
Por outro lado, no ano passado, a exploração econômica das reservas indígenas já demarcadas no Brasilquase tornou-se uma realidade com a edição da portaria 303 pela Advocacia-Geral da União (AGU). A norma replicava para todo o país definições adotadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para pacificar a disputa da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, abrindo espaço na prática para construção de estradas e atividades de mineração nessas áreas.
Diante da iminência do risco de uma intervenção desenfreada nas reservas sem grande debate social e após uma grita de representantes indígenas, o governo teve de recuar. A portaria foi suspensa depois que o Supremo indicou que a decisão não pode ser aplicada automaticamente e lembrou que há especificidades e recursos relacionados a Raposa-Serra do Sol a serem julgados em definitivo. A portaria 303 da AGU está suspensa até a decisão do Supremo.
O governo, no entanto, já se articula para tratar dos efeitos de estradas que cortam reservas ou de mineração em territórios indígenas. As discussões, que envolvem diversos ministérios, preveem royalties a serem pagos aos índios como compensação financeira pelo impacto ambiental. Atualmente eles só têm direito a essas compensações no caso de exploração hídrica, ou seja da construção de hidrelétricas.