Título: Ponto eletrônico ainda é uma obra de ficção
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 23/10/2009, Política, p. 6

Projeto de monitorar presença de funcionários está parado na Diretoria Geral. Enquanto isso, Casa gastou R$ 66,7 milhões este ano em horas extras

A instalação do sistema de ponto eletrônico, uma das promessas para conter os gastos do Senado com pagamento de horas extras aos 6.280 servidores efetivos e funcionários comissionados, não tem prazo para começar. Em 18 de julho, o primeiro-secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI), anunciou ao Correio que lançaria nos próximos dias a licitação para contratar o controle digital, que seria implementado em agosto, na volta do recesso parlamentar. Passados três meses, não há sequer prazo para a abertura da licitação. Enquanto isso, o pagamento de horas extras consumiu só este ano R$ 66,7 milhões, segundo dados da execução orçamentária do Senado.

Se fosse distribuído proporcionalmente, o pagamento de horas extras para cada trabalhador representaria, em média, R$ 1.062 a mais por mês nos contracheques ao longo de 2009. Só em setembro, foram consumidos R$ 7,7 milhões com o bônus. Desde 2003, são quase meio bilhão de reais pagos (veja quadro). Os 3.414 efetivos e 2.867 comissionados têm direito a receber nas terças, quartas e quintas um adicional por duas horas a mais de trabalho ¿ a carga horária de lá é de 40 horas semanais. Mas o controle é praticamente inexistente. Quando chegam, os funcionários não precisam registrar a entrada. Ganham o adicional mesmo sem terem trabalhado em sessões extras. Precisam apenas esperar até as 20h30 para registrar na rede interna do Senado a saída. É comum haver casos de servidores que voltam nesse horário só para bater o ponto. O teto pago pelo Senado com as horas extras é de R$ 2,3 mil mensais por trabalhador.

Eterno retorno Ideia que há 20 anos volta à baila vez por outra, a instalação do ponto eletrônico poderia, em tese, aumentar o controle sobre as entradas e saídas dos funcionários e auferir quem efetivamente trabalhou. Com um mês de mandato, em março, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), chegou a anunciar que adotaria o sistema. ¿Essa é uma decisão da Primeira Secretaria com a qual estou inteiramente de acordo. Acho que vamos instalar imediatamente o ponto eletrônico¿, afirmou, à época. Sugeriu até a criação de um sistema de controle híbrido segundo o qual os chefes de gabinete dos senadores fariam o controle da frequência dos funcionários e, para os demais setores, cada um faria o registro num equipamento eletrônico.

Pouco antes da sugestão de Sarney, a Folha de S. Paulo havia revelado que em janeiro passado, mês de recesso parlamentar, o Senado pagou R$ 6,2 milhões em horas extras a 3.883 funcionários ¿ esse gasto não consta dos registros orçamentários do Siga Brasil.

Em viagem, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) informou, por meio da assessoria de imprensa, que já pediu para o diretor-geral da Casa, Haroldo Tajra, preparar a licitação do ponto eletrônico. Também por meio da assessoria, a Direção Geral disse que não há previsão para a licitação ser lançada, pois os estudos para a implementação do sistema não estão prontos. O presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo Federal (Sindilegis), Magno Mello, disse que a eventual instalação do ponto eletrônico não é problema da entidade. ¿Se houver alguma medida administrativa, não seremos a favor ou contra¿, afirmou, ao ponderar que os servidores já ¿entenderam que as horas extras fazem parte do salário¿.

Sarney ameaça os fantasmas Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 7/8/09 Presidente do Senado promete não ser conivente com quem recebe sem aparecer na repartição. ¿Se houver funcionários-fantasma, vamos demitir¿

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou ontem que vai exonerar os funcionários-fantasma da Casa. Sarney recomendou ontem a suspensão do pagamento dos salários dos servidores que não participaram do recadastramento exigido pela Direção do Senado. Na quarta-feira, o Correio revelou que 828 funcionários da Casa não haviam participado do censo interno, o que representa 13,2% do total do quadro, entre efetivos e comissionados. O Senado investiu quase dois meses no pente fino, o primeiro da história da Casa, prorrogando-o por duas vezes. O último prazo encerra-se na segunda-feira à noite. ¿Há uma providência já tomada. Parece que muitos erraram no computador na hora do cadastramento. Eles não confirmaram o envio, mas os que forem remanescentes mandaremos cortar os vencimentos até que possam ser recadastrados¿, disse Sarney, ao ressaltar que não será conivente com quem não trabalha. ¿Se existirem, vamos demitir. Funcionário-fantasma não se pode permitir. Pelo menos, nós vamos procurar saber quem foi a pessoa nomeada e que não trabalha porque será imediatamente demitida¿, afirmou.

Segundo a Diretoria Geral, dos 828 servidores que não participaram do levantamento, 663 não realizaram a impressão do recibo do recadastramento, o que inviabilizou todo o processo. A Diretoria Geral espera apresentar na próxima terça o resultado do censo.

Em agosto, o Senado elaborou um sistema para que o recadastramento dos servidores fosse feito por meio de formulário eletrônico na internet, mas também permitiu que o formulário fosse remetido por correspondência. A medida foi implementada pela Casa em meio à crise política que atingiu o Senado para atualizar os dados pessoais de cada servidor. O objetivo é criar uma única base de dados e exigir o recadastramento todos os anos.

O número 828 Número de servidores que não responderam ao censo interno do Senado, ou 13,2% do total