Título: Sem água, num calor de 38,5°
Autor: Alencar, Emanuel; Damasceno, Natanael
Fonte: O Globo, 26/02/2013, Rio, p. 10

Num período de temperaturas elevadas - ontem a máxima chegou aos 38,5 graus na Zona Portuária, com sensação térmica de 42 graus -, moradores do Rio e da Baixada ainda terão de esperar um dia para abrirem suas torneiras e chuveiros sem preocupação. A falta d"água, que começou na noite de sexta, fechou escolas municipais, encerrou o expediente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) mais cedo ontem e dobrou o preço cobrado pelos caminhões-pipa, mas ainda não teve suas causas esclarecidas. O presidente da Cedae, Wagner Victer, afirmou que, embora 90% da distribuição já estivessem normalizados na tarde de ontem, os problemas devem continuar por mais 48 horas, já que o restabelecimento do sistema não é imediato. A Light reconheceu que houve uma interrupção de 19 minutos da linha principal do Guandu, que abastece 9 milhões de pessoas em oito cidades, incluindo a capital. E informou que fará inspeção de suas instalações.

Já prevendo novos transtornos, a Secretaria municipal de Educação informou que algumas escolas não funcionaram ontem, ou dispensaram os alunos antes do previsto, em função da impossibilidade de obtenção de carro-pipa. Cada unidade vai avaliar sua situação e, caso seja necessário, as aulas serão suspensas hoje. Classificando a pane no sistema de "episódio inaceitável", o presidente da Cedae afirmou que cobrará uma atitude enérgica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A orientação é que os moradores economizem água.

- Não quero brigar com a Light, mas não é normal acontecer este tipo de coisa: foram quatro picos de energia na estação do Guandu num único fim de semana. Se tivéssemos gerador, o problema seria o mesmo, porque não podemos religar o sistema imediatamente, ou corremos o risco de estourar tudo. A normalização de todo o abastecimento só acontecerá na quarta-feira (amanhã). Todos os bairros estão afetados, mas quem tem cisterna sente menos - disse Wagner Victer.

A Light informou que a interrupção da linha principal do Guandu aconteceu simultaneamente à pane na subestação da concessionária, cujo sistema de proteção desarmou toda a linha. A Light acrescentou que interrompeu, por menos de uma hora, a linha principal, "em comum acordo com a Cedae", devido à conclusão de uma obra no Parque Madureira. Ainda de acordo com a Light, foi recomendado e acordado com a Cedae que a manobra fosse feita para a segunda linha. O Guandu trata 43 mil litros de água por segundo.

Em meio ao embate entre as duas concessionárias, o presidente do Procon-RJ, o advogado Rodrigo Roca, disse ao "RJTV" que vai notificar a Cedae e a Light para prestarem esclarecimentos sobre as causas da interrupção.

Preço do caminhão-pipa dispara

Numa tarde de sol escaldante, cariocas passaram sufoco. Até conseguir carro-pipa ficou difícil, já que não havia água para abastecê-los no posto da Cedae, na Avenida Francisco Bicalho. Morador da Rua Alberto Cavalcanti, no Recreio, Adelmar Carvalho disse que a situação do bairro é calamitosa, pois torneira seca é situação constante desde o Natal. Ele conta que o preço dos caminhões-pipa dobrou nos últimos dois meses. Os moradores se cotizam para pagar.

- Aqui no bairro é caminhão-pipa por tudo quanto é lado. É a lei da procura e da oferta, e o preço de 20 mil litros pulou de R$ 400 para R$ 800 de dezembro para cá. Eu cobraria até mais, isso faz parte. O prédio todo liga para a Cedae, pega protocolo, e nada se resolve. O clima está pesado, é desespero mesmo. Não cai uma gota d"água - afirmou Carvalho, morador de um prédio de três andares.

Na Zona Sul, mais problemas. De acordo com Cláudia Santos, que mora na Rua Vicente de Souza, em Botafogo, o prédio dela está sem água desde o fim da madrugada:

- Já pediram para os moradores economizarem. Ainda há água na cisterna, mas a previsão é que acabe logo.

No Catete, Karina Castro e seu marido, Felipe Dias, dizem que o problema é frequente. Mas reclamam que, desta vez, o transtorno foi muito maior. Com um filho de dois anos, tiveram que deixar o apartamento na Rua Tavares Bastos no fim de semana, depois de constatar que não havia prazo para a água voltar a cair na caixa d"água do edifício.

- Estamos sem água desde a noite de sexta-feira. Meu filho está com febre e tivemos que buscar refúgio na casa da minha sogra. Hoje (ontem) voltamos e encontramos a mesma situação. Sem água para tomar banho, sem água para beber. Meu marido sequer pôde sair para trabalhar. Ligamos para a Cedae, e eles não deram uma explicação. E ainda me perguntaram a situação de outros prédios na minha rua. Ora, não são eles que deveriam saber? - reclamou.

Vizinha do casal, a jornalista Marli Berg contou ainda que a escassez trouxe outro problema para os moradores:

- Está difícil conseguir um caminhão-pipa. Nós só conseguimos para as 4h da madrugada de amanhã (hoje).

Em Santa Teresa, um dos bairros mais afetados, o comerciante Ricardo Esteves contou que, se por um lado a falta d"água tem alavancado a venda de água mineral, por outro tem sido um transtorno para todos.

- A venda aumentou em 50%. Normalmente vendo 60 por semana. Agora estou vendendo 90. Cheguei a negociar 18 garrafões num dia. Mas temos problema de falta d"água. Como só usamos água no banheiro, e na cozinha para lavar copos, ainda não acabou como nas casas vizinhas. Mas, se continuar sem água por mais dois dias, vamos ter que apelar para os carros-pipa.

Moradores da Baixada também passam por problemas. Roberto Silva de Melo afirma que, em Nilópolis, o desespero já começa a afligir muitas famílias:

- Desgraça pouca é bobagem. Nilópolis, apesar de todo o calor, está sem água desde as 11h desta segunda.

O caos atingiu até mesmo os deputados estaduais, que tiveram que encerrar o expediente por volta das 15h de ontem. O problema de abastecimento desligou o sistema central de refrigeração do Palácio Tiradentes.

Estudante de Direito de uma faculdade particular de Padre Miguel, Victor Escobar David, de 17 anos, contou que a instituição interrompeu as aulas:

- Isso causa um grande transtorno por conta de possíveis alterações no calendário. Detalhe: problemas ocasionados por falta d"água são mais do que comuns na Zona Oeste do Rio de Janeiro e na Baixada. Estudei durante muitos anos em Nilópolis e presenciei casos em que a instituição teve de comprar carro-pipa para proporcionar um dia normal de aula. São problemas bastante comuns, infelizmente.

Quatro interrupções

Segundo a Cedae, o primeiro corte de luz no sistema Guandu aconteceu às 22h55m de sexta-feira; o segundo, à 1h de sábado; o terceiro, às 23h01m de sábado; e o último, às 22h50m de domingo. Na madrugada de domingo, o sistema Guandu foi restabelecido. A Light ficou de apresentar à Cedae, ao longo da semana, um plano para que tais problemas não voltem a acontecer. A Cedae informou que manterá até a noite de amanhã um esquema especial de atendimento a consumidores especiais, como hospitais.

Em dezembro de 2012, quatro cortes de energia paralisaram as elevatórias que levam água para a Baixada Fluminense. À época, o problema afetou a distribuição em Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo e Nilópolis, o mais prejudicado. O problema só foi normalizado após 48 horas.