Título: Fraude custa caro ao MEC
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 23/10/2009, Brasil, p. 12

Além do prejuízo de pelo menos R$ 15 milhões aos cofres públicos, o adiamento do Enem resultará em gastos de pelo menos R$ 131 milhões, sem considerar o custo de distribuição das provas, que estão marcadas para dezembro

Além de atrapalhar os planos de 4 milhões de estudantes em todo o país, a fraude no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já causou um prejuízo de pelo menos R$ 15 milhões aos cofres públicos. O Ministério da Educação anunciou ontem quanto vai pagar ao consórcio formado por Cespe e Cesgranrio, responsável por aplicar as novas provas: R$ 99,9 milhões. Somada ao custo da gráfica que vai imprimir os cadernos de prova, a despesa ultrapassa a cifra de R$ 131 milhões ¿ isso sem contar os custos de distribuição do material Brasil afora, que os Correios ainda não informaram.

Antes de toda a confusão(1), o MEC esperava gastar R$ 116 milhões com a impressão, o envio, a aplicação e a correção das provas, que foi o valor cobrado pelo consórcio (2)Connasel, responsável pelas provas que vazaram e que teve o contrato de prestação de serviço cancelado após a descoberta da fraude, no início de outubro. Além de gastar mais do que esperava, o MEC ainda não tem ideia de quando terá de volta os R$ 38 milhões que já pagou ao antigo consórcio. A resposta virá somente após uma auditoria que o órgão instaurou para apurar responsabilidades sobre o incidente e que deve basear uma ação na Justiça para tentar reaver a quantia.

A dispensa de licitação para o consórcio Cespe/Cesgranrio foi publicada no Diário Oficial da União de ontem. Agora, o ministério vai acertar os últimos detalhes para fechar, nos próximos dias, o contrato emergencial para aplicação das provas, marcadas para 5 e 6 de dezembro. Caberá ao consórcio alugar as salas onde o exame será aplicado, cuidar da segurança durante o teste e também da correção dos cartões de resposta das provas.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do ministério responsável pelo Enem, contratou uma gráfica de segurança máxima, a RR Donelly Moore, para a impressão dos cadernos de prova, ao custo de R$ 31,9 milhões, também sem licitação. O material será enviado país afora pelos Correios. O contrato de distribuição ainda não foi fechado, mas a assessoria de imprensa da estatal informou que ela possui estrutura logística até mesmo se o contrato for fechado apenas com três dias de antecedência ¿ e justamente por isso o serviço não costuma ser barato.

Transporte

Haverá, ainda, gastos com transporte e segurança das provas nas cidades. Mesmo assim, o Inep informou que ainda trabalha com o teto de gastos para a realização do Enem este ano, de R$ 148 milhões ¿ equivalente aos R$ 35 pagos por aluno na inscrição. O procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, avalia que o governo não tinha outra alternativa nesse momento senão fazer o contrato emergencial. Mas ele é contra a ideia de acabar com licitações para a realização do exame nos próximos anos, como defendeu publicamente o ministro da Educação, Fernando Haddad, sob o argumento de que a concorrência pública feita com base no preço pode resultar na escolha de empresas despreparadas.

¿As licitações devem ser elaboradas a tal ponto que conciliem o preço bom à segurança.¿ O procurador avalia, ainda, que o MEC falhou na fiscalização da execução do contrato com o Connasel. O diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Abramo, vai na mesma linha. ¿A responsabilidade de fiscalização, que era do MEC, não foi cumprida como deveria e em geral esse é um problema brasileiro.¿

O MEC preferiu não rebater as críticas por enquanto e informou que espera o resultado das auditorias no órgão para apurar se houve falha ¿tanto de servidores responsáveis pela fiscalização do contrato quanto do próprio consórcio¿.

1 - Adiamento As provas do Enem estavam marcadas inicialmente para 3 e 4 de outubro e serviriam de base para que mais de 40 universidades federais selecionassem calouros. Mas, no dia 1º, o ministro da Educação, Fernando Haddad, determinou a suspensão do exame ao saber que o conteúdo havia vazado para a imprensa. O adiamento levou instituições como Unicamp e USP a desistirem de usar o resultado do teste como parâmetro para o vestibular deste ano, devido ao calendário acadêmico.

2 - Concorrência O consórcio Connasel foi o único a disputar a licitação para aplicar as provas do Enem este ano. A Cesgranrio manifestou intenção de participar, mas na última hora argumentou que não conseguiria elaborar tudo a tempo e deixou a concorrência. Com isso, prevaleceu a oferta de R$ 116 milhões do consórcio vencedor.

A responsabilidade de fiscalização, que era do MEC, não foi cumprida como deveria e em geral esse é um problema brasileiro¿

Claudio Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil

O número R$ 148 milhões Teto que o Ministério da Educação estimou para gastos com a elaboração e a distribuição do Enem

Palavra de especialista Licitação deve ser obrigatória

¿A contratação de empresas para a elaboração de exames é uma típica despesa prevista na regra das licitações. Não há como concordar com o ministro da Educação, Fernando Haddad, que defendeu não haver concorrência para a realização das provas do Enem, até porque há leis e Constituição neste país. É uma típica despesa que deve ser licitada. As licitações devem ser elaboradas a tal ponto que conciliem o bom preço. Mas você também tem que se cercar de toda a segurança possível. Tanto que a lei de licitações prevê essa questão, não somente o menor preço. Prevê que você consiga o menor preço dentro das condições estabelecidas, para que possa favorecer uma concorrência plena. Se ficar apenas no preço, pode-se gerar um típico caso de favorecimento ou problemas piores, como contratação de empresas que não têm competência para fazer o serviço.¿

Marinus Marsico, procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União (TCU)

Entidades reclamam, mas Enade é mantido

Camila de Magalhães

O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular encaminhou ontem um requerimento ao presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Reynaldo Fernandes, solicitando o imediato cancelamento das provas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).

Entregue na sede no Inep em Brasília, o pedido ocorreu devido à desconfiança causada pela apreensão de caixas com provas do exame, sem lacre de segurança, durante uma blitz policial no Rio de Janeiro, na última terça-feira. De acordo com o texto, o ocorrido ¿coloca sob suspeita o sigilo da prova¿ e ¿representa um risco para os alunos das instituições de ensino, considerando que estas serão avaliadas com base neste processo potencialmente viciado.¿

A assessoria de imprensa do Ministério da Educação afirmou que, segundo informações do Ministério Público de Petrópolis (RJ), não houve vazamento do conteúdo das provas. Portanto, não há porque falar em cancelamento e o exame está mantido para 8 de novembro. ¿O MEC reconhece o zelo do fórum, principalmente em relação aos seus estudantes, mas garante que a segurança da prova está mantida¿, disse, em nota.