Título: Falta formação
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 23/10/2009, Brasil, p. 13

Especialistas defendem que combate à violência passa pela capacitação das polícias. No Rio, comandante quer a prisão de PMs que omitiram socorro a vítima baleada

Apontada como um dos problemas da segurança nacional, a deficiente formação profissional dos policiais militares e civis brasileiros pode causar grandes prejuízos à sociedade, como a morte de inocentes e dos próprios responsáveis pela ordem pública. Especialistas ouvidos pelo Correio criticam o pouco tempo de formação, o ideal das corporações de que o pobre é um inimigo público e a política de apartheid e extermínio que o Brasil importa de outros países. Do outro lado, o governo federal informa que o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), principal vitrine do ministro da Justiça, Tarso Genro, vem aumentando a oferta de bolsa-formação às polícias. Em 2008, foram concedidos 92.875 benefícios, enquanto que até agosto deste ano, já foram 153.125.

Policial civil, a deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ) lembra que há quase 20 anos, quando se preparava para ingressar na corporação, o curso de formação tinha duração de pelo menos seis meses e um currículo de 18 matérias, sendo 15 teóricas e três práticas, dentre as quais aulas de tiro e abordagem. ¿Hoje, no Rio, os policiais civis têm aproximadamente um mês para se prepararem antes de irem às ruas. É o que chamamos de turmas `pipoca e miojo¿¿, diz, referindo-se ao pouco tempo de capacitação dos profissionais. ¿É preciso investir recursos para reverter esse quadro. Quando é preciso cortar dinheiro de alguma área, a segurança é a primeira.¿

Secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia, a socióloga Vera Malaguti explica que, em parte, o problema da formação policial é reflexo do paradigma bélico do Estado. ¿Quando o helicóptero foi derrubado sábado passado, o secretário de Segurança do Rio (José Mariano Beltrame) disse que o episódio representava o nosso 11 de setembro. Ao lembrar daquela data, ele evocou tudo aquilo feito depois dos ataques terroristas em Nova York, que são as invasões do Iraque e do Afeganistão. Essa guerra deu no que deu: muita morte, tortura e bala perdida¿, critica. Em sua opinião, as polícias precisam rever essa formação que identifica o pobre como inimigo público. ¿Além disso, o Brasil precisa se desvincular do paradigma de se espelhar em políticas de apartheid e de extermínio de outras nações¿, exemplifica.

Criador de um blog especializado em segurança pública (http://abordagempolicial.com), o aspirante a oficial Danillo Ferreira, da Polícia Militar da Bahia, acredita que o problema de formação das corporações é um reflexo das dificuldades sofridas pelo país. Para Danillo, exige-se um profissional objetivo e metódico. ¿Na maioria dos casos, o policial é preparado para dizer `sim¿ ou `não¿. Esquece-se de outros aspectos importantes para o trabalho, como o sentimento¿, aponta ele, que tem quatro anos na instituição baiana.

AfroReggae

Ao pedir desculpas aos familiares pela omissão de policiais militares durante a morte do coordenador social do grupo AfroReggae, Evandro João da Silva, 42 anos, na madrugada de domingo, o comandante-geral da PM do Rio de Janeiro, coronel Mário Sérgio Duarte, afirmou ontem que deve solicitar à Justiça Militar a prisão preventiva do capitão Denis Leonard Nogueira Bizarro e do cabo Marcos de Oliveira Sales ¿ eles já estão detidos. Câmeras de segurança flagraram os dois policiais liberando dois homens que haviam assaltado e baleado Evandro. As imagens mostraram, ainda, que os PMs não prestaram socorro a Silva.

¿A PM está solidária com a família. Não vamos permitir qualquer desvio de conduta. Nosso sentimento é de total indignação e solidariedade com a família. É ruim saber que policiais erram. Eles são preparados para agir em situações mais difíceis. O comando da corporação tem que ter a coragem moral de admitir quando a instituição comete algum erro. Não estamos aqui para se esconder atrás de desculpas. Temos os problemas e cortamos a nossa carne quando essas coisas acontecem¿, destacou o coronel, durante entrevista coletiva.

A PM fluminense confirmou que Bizarro era responsável pela supervisão do patrulhamento na esquina das ruas do Ouvidor e do Carmo, no Centro do Rio, mesma área onde Evandro foi morto.

Na tarde de ontem, a PM realizou seis operações em favelas cariocas. Em Parada de Lucas, subúrbio da capital, os policiais apreenderam mais de 2 mil munições. Até ontem, 33 pessoas haviam morrido desde o último sábado, quando traficantes abateram um helicóptero da polícia.

Hoje, no Rio, os policiais civis têm aproximadamente um mês para se prepararem antes de irem às ruas. É o que chamamos de turmas `pipoca e miojo¿¿

Marina Maggessi (PPS-RJ), deputada federal

O número 153.125 Total de bolsas-formação concedidas a policias brasileiros de janeiro a agosto deste ano