Título: Câmara acaba com 14º e 15º salários para parlamentares
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 28/02/2013, País, p. 3

De olho na opinião pública e tentando resgatar sua imagem perante a sociedade, a Câmara aprovou ontem, em sessão rápida e em votação simbólica, sem que o deputado vote nominalmente e se identifique, a proposta que reduz o pagamento dos chamados 14º e 15º salários dos parlamentares. Pagos há mais de 65 anos, os dois salários extras anuais destinados aos 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) representavam um impacto anual de cerca de R$ 31 milhões nas contas públicas.

O projeto, que já passou no Senado e, agora, será promulgado pelas duas Casas, mantém o pagamento de um salário extra (R$ 26,7 mil) no início e outro no final de cada legislatura de quatro anos (no caso de deputados) e de oito anos (no caso de senadores). Mantem-se a justificativa de ajuda de custo para compensar despesas dos parlamentares com mudança e transporte para trabalhar em Brasília.

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), fez questão de abrir a discussão avisando que contava com o apoio de todos os líderes partidários da Casa para colocar o projeto em votação. E deixou claro que existia uma pressão forte da opinião pública para o enfrentamento dessa questão. O projeto já havia sido aprovado pelos senadores, em maio do ano passado, e estava parado numa comissão da Casa porque os deputados não se recusavam a aprová-lo.

- O que estou fazendo não me envaidece. Esta Casa pode ter seus pecados, mas o pecado da omissão é inadmissível. Decidam com a consciência o que representa a remuneração mais justa. A decisão está nas mãos e consciências dos senhores - alertou Alves, fazendo apelo para que os deputados não se alongassem na discussão e garantissem, assim, uma votação ágil: - Quanto mais rápido votar, melhor.

Newton cardozo criticou fim do benefício

Todos os líderes encaminharam a favor do fim do benefício anual.

- Essa é uma medida necessária de valorização do Parlamento - afirmou o líder do PDT, André Figueiredo (CE).

O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), completou:

- É indefensável, não se justifica mais. Há um grande movimento em favor do fim desse pagamento na sociedade, e a próxima etapa será acabar com o voto secreto.

Nos bastidores, deputados reclamavam da medida, mas sem coragem de assumir essa posição. Publicamente, durante a sessão de ontem, apenas o deputado Newton Cardozo (PMDB-MG) foi à tribuna criticar o projeto, frisando que não falava em nome do partido:

- Isso de dizer que os deputados não precisam de 14º salário é errado. É verborragia, é lenga-lenga. Agora, o medo da imprensa e a covardia fazem com que esse pessoal diga: "Eu vou abrir mão". Da minha parte, eu abro mão, pago para trabalhar aqui, pago caro. Mas é uma deslealdade com os deputados que precisam.

Para que fosse votado em plenário, todos os líderes partidários assinaram requerimento de votação em regime de urgência, aprovado anteriormente, também simbolicamente.

O projeto aprovado ontem foi apresentado no Senado em fevereiro de 2011 pela então senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), mas só avançou depois de muita pressão de movimentos sociais. E também depois de pedido feito pela Associação dos Servidores do Ministério Público ao Supremo Tribunal Federal (STF) para o fim do pagamento dos dois salários extras. O texto foi aprovado pelos senadores em março de 2012 nas comissões, e, no início de maio, no plenário do Senado, também simbolicamente e sem manifestações contrárias.

Na Câmara, no entanto, houve resistência e, sem apoio do então presidente da Casa, deputado Marco Maia (PT-RS) - que declarou várias vezes que essa votação não tinha prioridade -, o projeto ficou parado na Comissão de Finanças e Tributação. Para pressionar pela votação, alguns deputados, como o relator Afonso Florence (PT-BA), abriram mão de receber o benefício.

Mas como não foi votado antes, deputados e senadores ainda receberam o 15º salário no ano passado e o 14º em fevereiro deste ano. Agora, só vão receber outra parcela ao final desta legislatura, em fevereiro de 2015.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) comparou a votação de ontem ao que aconteceu com o projeto da Lei da Ficha Limpa:

- A pressão da sociedade provocou uma virada. Muitos aqui votaram a favor, mesmo contra sua convicção. É um fenômeno que lembra muito a votação da Ficha Limpa.