Título: Sigilosos e cada vez mais altos
Autor: Luiz, Edson; Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 27/10/2009, Política, p. 2

Nos nove primeiros meses deste ano, o Planalto gastou quase 10% a mais com cartões corporativos em relação a 2008

Despesas relativas à segurança do presidente Lula, do vice e dos familiares são protegidas de qualquer fiscalização de órgãos do governo federal

Os gastos sigilosos da Presidência da República com cartões corporativos cresceram, em 2009, 9% em relação a todo o ano passado. Até setembro, o Palácio do Planalto desembolsou R$ 5,3 milhões com esse tipo de pagamento, cerca de R$ 1,5 milhão a mais que em 2008. As despesas são inferiores a apenas outros dois anos. Os gastos, que correspondem basicamente à segurança do presidente, seu vice e familiares, não sofrem nenhum tipo de fiscalização dentro do governo. Apesar do aumento identificado na Presidência, a Controladoria-Geral da União (CGU) afirma que houve uma redução no uso do cartão corporativo.

Os dados sobre as despesas com o cartão corporativo começaram a ser conhecidos a partir de 2002. O uso do instrumento pela segurança presidencial ou órgãos de informações do governo, entretanto, é secreto ¿ ou seja, não detalha onde e como foram realizados os gastos. Apesar de ser ligada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem suas despesas contabilizadas fora do Palácio do Planalto. Este ano, a Abin gastou R$ 4,5 milhões em missões sigilosas, cujos valores correspondem a quase R$ 2 milhões a menos que no ano passado. Juntos, a Presidência e a agência consumiram R$ 9,8 milhões. O maior valor já destinado para a Abin foi em 2007, durante a realização dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro: R$ 11,5 milhões.

Os gastos da Presidência da República este ano só são inferiores a 2003 e 2004, quando as despesas totalizaram R$ 5,6 milhões e R$ 6,4 milhões, respectivamente. A média de desembolso do Palácio do Planalto, nos últimos oito anos, é de R$ 4,6 milhões. Segundo fontes da área de fiscalização do governo, uma das justificativas para o crescimento no uso do cartão corporativo são grandes cerimônias, como um encontro que o presidente Lula teve em dezembro do ano passado ¿ as despesas foram contabilizadas em janeiro de 2009 ¿, com chefes de Estado do Mercosul, Unasul e Grupo do Rio, na Bahia. No caso, o país que recebe dirigentes de outras nações arca com os custos do evento.

Segundo o secretário-executivo da CGU, Luiz Navarro, o governo esperava um crescimento no uso dos cartões em outros órgãos da administração pública com a limitação em 30% dos saques na boca do caixa, mas ocorreu o contrário. ¿O aumento era natural, mas as comparações mostram que há uma normalidade nesse tipo de pagamento¿, diz Navarro. Segundo ele, nos últimos meses, a CGU não tem recebido denúncias sobre irregularidades e os gastos anormais são checados. ¿Quando acontece, por exemplo, de despesas em finais de semana, fazemos uma apuração para averiguar o que houve.¿

Para a oposição, o crescimento no uso dos cartões corporativos vai de encontro a outras determinações de Lula, que atingem diretamente a população. ¿Esta é a forma de governar do presidente. Enquanto aumenta gastos sigilosos, ameaça atrasar a devolução do Imposto de Renda dos brasileiros e retarda o repasse do Fundo de Participação dos Municípios¿ diz o líder do DEM no Senado, Agripino Maia (RN). ¿Um comportamento absurdo que estamos constatando a cada dia¿, acrescenta.

Deslocamento As despesas realizadas com o cartão corporativo pela Presidência da República são basicamente da segurança de Lula, José Alencar e de seus familiares, tanto em Brasília, quanto nos locais onde eles residem ou estejam em deslocamentos. Os gastos variam de aluguel, abastecimento ou manutenção de veículos, compras emergenciais ou refeições dos agentes. Também se utilizam dessa forma de pagamento seguranças à disposição de ex-presidentes da República e parentes próximos.

A CGU não pode controlar o uso do cartão quando os gastos são sigilosos, mas se houver alguma anormalidade, o caso é analisado pela Secretaria Federal de Controle (SFC). Além da Abin e da Presidência, também são secretas as despesas da Polícia Federal e das áreas de inteligência das Forças Armadas.

Memória Brigas e demissão

A polêmica em torno dos gastos com cartões corporativos começou em janeiro de 2008, quando o Correio divulgou que os gastos com esse meio de pagamento haviam ultrapassado em 2007 a marca de R$ 75 milhões. O montante era 127% maior do que os R$ 33 milhões utilizados em 2006 e 248% maior do que os valores gastos em 2005. A partir daí, surgiram diversas denúncias envolvendo gastos específicos de ministros. A então chefe da pasta de Desigualdade Social, Matilde Ribeiro, apareceu como responsável por gastar R$ 171,5 no cartão de crédito em locação de carros durante férias e compra em um free shop. Por causa da repercussão do caso, ela pediu demissão.

Os ministros Orlando Silva (Esportes) e Altemir Gregolin (Pesca) também apareceram como maus gastadores por meio dos cartões corporativos. Silva teria pago a conta em uma tapiocaria, enquanto Gregolim usara o meio de pagamento em churrascarias e restaurantes. Durante um tempo, outros casos surgiram e apenas a Casa Civil se pronunciava sobre eles. A divulgação de que um segurança pessoal de sua filha, Lurian Cordeiro Lula da Silva, gastou em nove meses quase R$ 55 mil no cartão de crédito do governo, levou o presidente Lula a entrar na briga.

Com isso, o Palácio do Planalto supostamente montou um banco de dados com os gastos dos familiares do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o que gerou uma guerra de informações e vazamentos de dados sigilosos sobre os dois governos. As batalhas refletiam-se no Congresso, durante embates de governo e a criação de uma CPI dos Cartões. (EL e IT).