Título: Para procurador, leis exigem remodelação
Autor: Souza, André de
Fonte: O Globo, 01/03/2013, País, p. 10

Luiz Carlos Gonçalves reagiu às críticas frequentes de Reale Júnior. O procurador negou temer críticas, mas exigiu respeito e disse que várias das observações do ex-ministro estão erradas.

- Trabalhamos abnegadamente e intensamente, e, por isso, não merecemos as palavras desonrosas e desairosas de Miguel Reale Júnior em várias entrevistas. Podemos estar errados, mas exigimos respeito.

O Código Penal tem duas partes: uma geral e outra especial, que especifica as penas de cada crime. Segundo Reale Júnior, a proposta tem absurdos nas duas partes, mas é na geral que estão os maiores problemas. Entre outros pontos, ele criticou as restrições impostas ao livramento condicional e a instituição da barganha, em que uma das partes, após acordo judicial, concorda em cumprir uma determinada pena.

- A barganha é manifestamente inconstitucional. A aplicação da barganha nos Estados Unidos mostra o grau de injustiça, de inocentes que, receosos de conseguir provar sua inocência na Justiça, aceitam a pena mínima imposta - afirmou.

"Artigo Silvério dos Reis"

Outro artigo, sobre delação premiada, foi apelidado por Reale Júnior de "Silvério dos Reis", em referência ao delator de Tiradentes no século XVIII.

- Eu chamaria o artigo de artigo Silvério dos Reis. Aqui se diz o seguinte: que haverá o perdão judicial para qualquer tipo de crime para aquele que trouxer elemento para solucionar o caso.

O jurista implicou com a frase "omissão deve equivaler-se a causação", presente na proposta, lembrando que há um erro de português, uma vez que a partícula "se" está sobrando.

- Agora essa frase, me decifrem essa frase, senhores. Isto aqui é Direito Penal esotérico - disparou.

Na parte especial do código, ele também criticou a forma como a eutanásia é tratada:

- Prevê perdão de parente que mata independentemente de diagnóstico médico. Quem vai julgar o estado terminal é o parente que mata. Quantos velhinhos vão olhar com desconfiança o suco de laranja que lhe oferecem?

Cachorro x criança

Ele atacou a parte que trata dos crimes contra animais, observando que a pena mínima para omissão de socorro a criança abandonada é de um mês de prisão, enquanto para omissão de socorro a um animal é de um ano. Durante o debate, manifestantes estenderam várias faixas pedindo tratamento duro a quem comete crimes contra animais.

- Entre uma criança e um cachorro, eu vou socorrer o cachorro, para não passar mais tempo na prisão - disse Reale.

Luiz Carlos Gonçalves, irritado com as frequentes críticas de Miguel Reale Júnior, foi para o contra-ataque. Gonçalves lembrou que Reale participou da reforma do código feita em 1984 e afirmou que o ex-ministro fez uma exposição do Direito Penal dos anos 80, pré-Constituição Federal de 1988. O procurador disse que os dispositivos do atual código já são motivo de vergonha, por garantir a impunidade para vários criminosos.

O relator da comissão que discute a reforma do código, o senador Pedro Taques (PDT-MT), disse que algumas alterações já tinham sido feitas justamente para resolver os problemas apontados por Reale. Mas tratou de defender o trabalho da comissão de juristas.

- Pode ter a absoluta certeza de que os senadores não colocarão o seu nome em algo que não seja útil à sociedade brasileira. O que envergonha a legislação nacional e a sociedade é não ter um novo código - afirmou Taques.

Em entrevista após a audiência, Reale não pareceu convencido de que o projeto tenha salvação:

- A meu ver, (o projeto) exige uma remodelação significativa. Tem que ser refeito.