Título: Cristina quer controlar Justiça, diz oposição
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Fonte: O Globo, 05/03/2013, Economia, p. 31

Deputados consideram projeto de mudança no Judiciário manobra do governo para dominar os três Poderes

BUENOS AIRES Depois de fechar o ano de 2012 com seu relacionamento com o Judiciário estremecido - após as denúncias de pressões feitas pelas associações de magistrados do país -, a Casa Rosada decidiu redobrar a aposta e anunciar o envio ao Congresso de projetos que significarão uma profunda reforma da Justiça argentina. A proposta já está sendo considerada pela oposição uma manobra para ampliar sua concentração de poder. Como tudo o que interessa às bancadas kirchneristas (que, na semana passada, conseguiram aprovar um polêmico Memorando de Entendimento com o governo do Irã, apesar do forte rechaço opositor), as propostas da presidente Cristina Kirchner deverão ser tratadas em tempo recorde pelo Parlamento.

A nova ofensiva de Cristina surgiu após fortes tensões entre Executivo e Judiciário. No ano passado, a guerra entre a Casa Rosada e o grupo de mídia Clarín - ainda pendente de solução judicial - aprofundou as diferenças entre os Poderes. A presidente chegou a acusar os juízes argentinos de estarem "a serviço das grandes corporações".

Semana passada, a procuradora-geral Alejandra Gils Carbó, designada por indicação da Casa Rosada, afirmou que "a Justiça atual é ilegítima, corporativa, obscurantista e lobista". Na visão de dirigentes da oposição, como os deputados Elisa Carrió e Ricardo Alfonsín, mais do que democratizar a Justiça - principal argumento dos defensores das reformas -, o governo busca "controlar" um Poder que deveria ser independente.

- A única coisa que Cristina deseja é sua impunidade e a de todos os funcionários que roubam. Se o povo não se defender rápido, nos resta pouco tempo de uma Argentina republicana - atacou Carrió.

A deputada lembrou a lista de funcionários e ex-funcionários que estão sendo investigados por supostos casos de corrupção e não cumprimento de seus deveres públicos, entre eles o vice-presidente Amado Boudou. O chamado "Boudougate" (o vice é acusado de ter favorecido um empresário amigo) é uma pedra no sapato do governo, que este ano disputará novas eleições legislativas e poderia perder o domínio do Parlamento.

O projeto que provocou mais debate entre jornalistas, políticos e juristas é o que prevê que novos membros do Conselho da Magistratura, órgão que designa e julga juízes, sejam eleitos pelo voto popular e não por seus pares. Na visão do presidente da Associação de Magistrados, Luis Cabral, o projeto kirchnerista "não é compatível com a Constituição". Atualmente, o governo tem maioria no Conselho de Magistratura, integrado por dois advogados, três juízes, um acadêmico, seis congressistas e um representante do próprio governo. Um dos poucos antikirchneristas do conselho, Ricardo Recondo considerou inadmissível a proposta oficial:

- A Constituição diz (que os membros do conselho) são escolhidos por juízes. Serão eleitos por engenheiros?

MAIS TRANSPARÊNCIA NOS BENS DE JUÍZES

A Casa Rosada também propôs a criação de três novas câmaras judiciais, que atuariam como instância prévia à Corte Suprema de Justiça. Se forem criadas, as novas câmaras serão integradas por juízes designados pelo atual governo.

Outros projetos preveem modificações (ainda não detalhadas) no sistema de contratação de servidores judiciais e no regulamento das liminares (um dos instrumentos do Judiciário mais questionados publicamente pela presidente), entre outras iniciativas.

Cristina também pediu mais transparência nas declarações de bens dos juízes e mostrou-se favorável a que os magistrados paguem imposto de renda, embora tenha admitido que essa decisão caberia à Corte Suprema.

- Quero uma Justiça democrática, não corporativa e dependente de fatores econômicos - declarou a presidente, em discurso que inaugurou oficialmente as sessões legislativas de 2013.

Os argumentos oficiais não convenceram membros da oposição. Para o ex-candidato presidencial Hermes Binner, que ficou em segundo lugar nas eleições de 2011, "o país está caminhando para um sistema de Poderes cada vez mais concentrados". Já o peronista Alberto Fernández, ex-chefe de Gabinete do governo Kirchner, afirmou que o objetivo da Casa Rosada "é ter uma maioria automática" no conselho. Entre 2003 e 2007, Fernández foi braço-direito do então presidente Néstor Kirchner e, após a morte deste, tornou-se opositor de Cristina.