Título: Nada substitui a prevenção contra a Aids
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Fonte: O Globo, 07/03/2013, Opinião, p. 18

Oanúncio da cura funcional de um bebê infectado pelo vírus da Aids, nos Estados Unidos, é um daqueles momentos de corte na linha de avanços da Medicina. Se for confirmada a eficácia da terapia a que a criança foi submetida - uma combinação agressiva de medicamentos antirretrovirais ministrada 30 horas após o parto, uma posologia até então não aplicada nos tratamentos -, abre-se um esplêndido caminho para combater uma doença terrível, até agora sem cura, responsável pela contaminação de 34 milhões de pessoas em todo o mundo, que ainda assusta a Humanidade.

Dessa experiência resulta uma primeira consequência: a real possibilidade de se chegar a um protocolo de tratamento para quebrar a cadeia de transmissão da Aids. Este é um passo crucial, segundo especialistas, para a adoção, à frente, de políticas concretas de redução drástica, e até de eliminação, do ciclo epidêmico da doença. Outra bem-vinda contribuição às ações de combate ao vírus HIV resultante deste episódio está na metodologia empregada para curar o bebê americano. Os remédios ministrados são bem conhecidos em todo o mundo; o que mudou foi a forma de utilizá-los. Logo, os recursos estão disponíveis, ao alcance dos pacientes.

São, sem dúvida, novidades estimulantes. Mas, a elas subjacente, permanece a imperiosa obrigação de o mundo não rasgar a - pelo menos até agora - principal receita contra a proliferação da Aids: a prevenção. Apesar de, em 2012, um relatório da Unaids, o organismo da ONU para a doença, ter mostrado que, pelo quinto ano consecutivo, os casos de infecção pelo HIV diminuíram em todo o mundo e que o perfil geográfico de infectados apresentou estimulantes melhoras, os números da epidemia no planeta ainda são muito preocupantes.

A Unaids estima que, globalmente, o número de adultos entre 15 e 49 anos com Aids corresponda a 0,8% da população mundial. Na África, um adulto em cada 20 tem o vírus. Somente a região subsahariana responde por 69% dos casos no planeta. Na América Latina, chega a 1,4 milhão o total de infectados. E, a despeito dos avanços nos tratamentos, a doença ainda provoca um alto índice de óbitos: a cada ano, morrem cerca de 1,2 milhão de pessoas no continente africano; na Ásia, o total anual de mortes chega a 309 mil.

Para o Brasil, o sucesso do tratamento administrado ao bebê americano também abre um significativo campo relacionado à redução dos índices de infecção - ainda altos, mesmo com os inegáveis avanços das terapias. É particularmente positiva a circunstância de os medicamentos já estarem incluídos nos procedimentos de rotina adotados no país para conter os efeitos da doença. Mas, assim como em todo o mundo, também aqui a prescrição mais eficaz para evitar a proliferação epidêmica por novas contaminações é a prevenção. Avanços na Medicina devem andar lado a lado com políticas agressivas de contenção da Aids, e não eliminá-las.