Título: BC mantém juro, mas novo discurso indica alta em abril
Autor: Valente, Gabriela; Scrivano, Roberta
Fonte: O Globo, 07/03/2013, Economia, p. 27

Num dilema entre o cenário de baixo crescimento e inflação persistente, o Banco Central (BC) decidiu ontem, por unanimidade, manter o foco na atividade econômica e não alterou os juros básicos (Selic) que estão em 7,25% ao ano. No entanto, mudou seu discurso e abriu caminho para subir os juros já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em abril, se a alta de preços persistir. "O comitê irá acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária", afirmaram os diretores do BC no comunicado divulgado após quase quatro horas de discussões.

A nota foi radicalmente alterada em relação às anteriores, sendo retirada a expressão que ditou as expectativas nos últimos meses. Foi abolido o termo "suficientemente prolongado". Nos avisos anteriores, o BC dizia que a sua estratégia para controlar os preços era deixar a taxa parada por um bom tempo. A perspectiva de alta de juros vem daí.

- Foi um bom comunicado do BC: sucinto e como a gente esperava - afirmou o economista-chefe da Asset Votorantim, Fernando Fix. - Os olhos se voltarão para a ata do Copom que será divulgada na semana que vem.

Delfim não vê risco de inflação

A expectativa de que o ciclo de estabilidade dos juros chega ao fim já começa a alterar as previsões dos economistas que apostam em aumento da Selic em abril ou maio. Investidores do mercado financeiro se anteciparam e já fecharam contratos com juros maiores no futuro, ou seja, apostam que a alta virá. O anúncio de reajuste de 5% do diesel colaborou para o aumento do clima de que a estabilidade da Selic está próxima do fim. Para os economistas, apesar do crescimento pífio, não seria possível manter a estratégia de juros estáveis.

- Não iriam se comprometer com a estabilidade dos juros por muito tempo, o interessante é deixar a porta aberta para subir os juros no futuro para controlar os preços - afirmou o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luiz Octávio Leal. - Ainda não há qualquer garantia de que haja uma recuperação da atividade em curso.

O crescimento de apenas 0,9% em 2012, divulgado na sexta-feira, fez com que aumentassem as perspectivas de manutenção da taxa básica para favorecer a atividade econômica. Por privilegiar o crescimento econômico, a gestão do presidente do BC, Alexandre Tombini, foi alvo de várias críticas. Ele foi acusado de sucumbir às pressões políticas do Palácio do Planalto, que adotou os juros baixos como bandeira.

No entanto, ontem, Tombini ganhou um apoio de peso. O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto saiu em defesa da conduta do BC. Numa entrevista ao canal da corretora Gradual no YouTube, Delfim disse que a ideia de que o governo intervém na condução da política monetária é um exagero e que não há perigo de a inflação explodir:

- Não há dúvida de que não vai perder o controle disso - afirmou.

Nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 6,15%. A meta estabelecida pelo próprio governo é de inflação de 4,5% com tolerância de até dois pontos percentuais para cima ou para baixo. A previsão dos economistas de mercado é que a inflação encerre o ano em 5,7%.

- Desde julho do ano passado, os economistas têm sido surpreendidos por uma inflação maior do que esperavam - lembrou Fix.

Para ele, nem mesmo o refresco no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), que ficou em 0,2% em fevereiro, abaixo das expectativas, interfere na pressão da inflação. Outro sinal de arrefecimento, como a redução de 2,97% dos preços de commodities , também não deve ter pesado tanto na decisão do Copom.

Mesmo com a manutenção da Selic, o Brasil passou da quinta para a sexta colocação no ranking dos países com os maiores juros reais do mundo. A mudança deveu-se à alta nas taxas de outros países, como a Hungria.

- O Brasil não lidera mais o ranking, mas está cada vez menos atraente para os investidores estrangeiros - observou o economista Jason Vieira.

Indústria teme elevação da Selic

Ao elogiar a manutenção da Selic, as principais entidades empresariais aproveitaram para manifestar preocupação com a perspectiva de alta da Selic nas próximas reuniões do Copom.

"Claramente, aqueles que neste momento e com essa conjuntura econômica (de baixo crescimento) ainda defendem aumento da taxa de juros não estão interessados no desenvolvimento do país, mas no ganho fácil", disse em nota Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) destaca que a decisão de manter os juros baixos está em linha com o baixo crescimento da economia e reconhece a necessidade de o governo atacar a inflação. Mas, em vez da alta dos juros, a CNI sugere que se lance mão de outros mecanismos, como a redução dos gastos públicos.

Para a Federação das Indústrias do Rio (Firjan), o governo deve encarar o desafio de "equilibrar o PIB" sem abrir mão da redução dos juros. E ainda defende uma maior contribuição da política fiscal na luta contra a inflação.