Título: Longo adeus a Chávez
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 07/03/2013, Mundo, p. 29

A capital venezuelana estava irreconhecível no dia seguinte à morte de Hugo Chávez. Ruas e praças vazias. Lojas, escolas, repartições públicas e universidades fechadas, assim como a Bolsa de Valores de Caracas. O trânsito, geralmente caótico, fluía tranquilamente. Após rumores de que gangues se aproveitariam de uma eventual instabilidade para roubar e saquear o pouco comércio que abriu, o Exército chavista permaneceu nas ruas durante todo o dia e nenhum incidente maior foi registrado. Tudo porque, num evento definido por aliados como "histórico e muito triste", milhares de pessoas se concentravam apenas em uma parte da cidade: os 9 Km que ligam o Hospital Militar Carlos Arvelo, onde Chávez passou seus últimos dias, à Academia Militar da Venezuela, em cujo salão de honra o presidente será velado até amanhã. Durante sete horas, o percurso foi acompanhado por milhares de pessoas que, emocionadas, protagonizavam cenas de histeria coletiva, comparavam Chávez a Simón Bolívar, herói da independência da Venezuela, e depositavam seu voto de confiança em seu sucessor, Nicolás Maduro.

O caixão com o corpo do presidente foi aberto e está exposto ao público desde ontem à noite. A funcionária pública Ingrid Herrera disse que pretende ir aos três dias de velório com toda a família:

- Queremos dar uma última olhada nele, o herói que transformou a vida na Venezuela, deu aos pobres carne, educação e saúde.

O local do sepultamento, marcado para amanhã, ainda não foi revelado. Chávez certa vez disse que gostaria de ser enterrado no estado de Barinas, onde nasceu. Mas até o ministro da Defesa, Diego Molero, defendeu que seu corpo seja levado para o Panteão Nacional, onde estão heróis do país, ou mesmo para o mausoléu construído para Simón Bolívar.

A presidente Dilma Rousseff deve partir hoje de manhã rumo a Caracas. O funeral oficial, com a presença de chefes de Estado, só acontecerá amanhã, mas alguns deles já estão na capital venezuelana. Ontem, os primeiros a chegar foram o boliviano Evo Morales, a argentina Cristina Kirchner e o uruguaio José Mujica.

Dilma decretou três dias de luto oficial. Além do Brasil, pelo menos outros 12 países se solidarizaram oficialmente pela morte, entre eles Cuba, Nigéria e Irã. Uma das presenças mais esperadas no funeral de Chávez, aliás, é a do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, antigo aliado de Chávez. Outro polêmico governante que ficou de luto foi o ditador sírio Bashar al-Assad, para quem a morte de Chávez foi "uma grande perda pessoal".

"torço para que meu país fique bem"

O presidente em exercício, Nicolás Maduro, e o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello - que, segundo constitucionalistas, era quem deveria estar na Presidência até que as eleições ocorram em 30 dias -, acompanharam o cortejo, boa parte do tempo a pé. À noite, a Academia Militar recebeu uma cerimônia para familiares, deputados e o alto comando militar. Os quatro filhos, a neta e a mãe de Chávez foram ovacionados ao guardar o caixão do pai, do avô e do filho.

À medida que o cortejo passava por Caracas, mais gente se juntava. Não houve estimativas oficiais, mas as TVs locais mostravam uma gigantesca multidão que entoava a música "Pátria, pátria, pátria querida", a mesma que Chávez cantou em seu último discurso, transmitido em rede nacional de rádio e TV no dia 8 de dezembro. Os presentes também gritavam palavras de ordem como "Chávez vive, a luta segue!" e "Yo soy Chávez". Pela manhã, antes da saída do corpo rumo à Academia Militar, foi disparada uma salva de 21 tiros de canhão em homenagem à Chávez.

O Ministério da Justiça e do Interior venezuelano determinou a interrupção do comércio e do consumo de bebidas alcoólicas em todo o país, assim como a suspensão da posse e o porte de armas, até o dia 12, quando termina o luto oficial de sete dias decretado pelo Executivo com a morte de Chávez - o primeiro ato de Maduro como presidente interino.

- Maduro não é Chávez, nunca será. Ele não tem o mesmo carisma e nem ama o povo da mesma forma. Mas lhe daremos um voto de confiança, para seguir o bom trabalho de Chávez - disse a professora Isabel Herrera, irmã da funcionária pública Ingrid. - Estou chorando todos os dias, e torcendo para que meu país fique bem.

A comparação da multidão de Chávez com Bolívar era recorrente e foi salientada ainda pelo ex-craque do futebol argentino Diego Maradona que, amigo de Chávez, pediu: "Ele é o segundo libertador da pátria, temos que dar continuidade ao que ele fez".

Uma manifestação de pesar que causou surpresa foi a do rei espanhol Juan Carlos, que mandou Chávez se calar durante um evento em 2007. Internado após uma cirurgia de hérnia de disco, o rei enviou um telegrama a Maduro no qual lembrou o empenho de Chávez em seu trabalho na Venezuela e na região ibero-americana.