Título: Em busca de respaldo no Mercosul
Autor: Oliveira, Eliane; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 07/03/2013, Mundo, p. 34

Com um estoque de investimentos da ordem de US$ 20 bilhões em obras de infraestrutura e um superávit superior a US$ 4 bilhões com a Venezuela em 2012, o Brasil tem todo o interesse em tornar cada vez mais plena a integração dos venezuelanos ao Mercosul. Hoje, a Venezuela já representa 20% do superávit comercial brasileiro, e é o país que mais contribui para o saldo positivo do Brasil. Não importa quem vencerá as eleições previstas para ocorrer dentro de 30 dias: se o chavista Nicolás Maduro; ou Henrique Capriles, da oposição. Com a economia desindustrializada e fortemente ligada ao que acontece com o petróleo no mundo, o país vizinho buscará se engajar ainda mais ao bloco sul-americano, principalmente ao lado de Brasil e Argentina.

A avaliação é de fontes do governo, analistas e representantes do setor privado. A expectativa é que, com a morte de Hugo Chávez, ficará mais fácil uma reaproximação com o Paraguai - suspenso do Mercosul em meados do ano passado e que deve retornar ao bloco em maio. Chávez teria sido o mentor da expulsão temporária dos paraguaios, por causa do impeachment do ex-presidente Fernando Lugo, segundo integrantes do governo paraguaio.

O Brasiil vende um pouco de tudo ao mercado venezuelano, com ênfase em carnes, açúcar e bens de capital. Importa, principalmente, nafta, carvão, metanol e ureia. A partir do mês que vem, as restrições tarifárias para o ingresso de produtos venezuelanos vão acabar, com a entrada em vigor do cronograma de adequação às regras do Mercosul.

O saldo comercial do Brasil com a Venezuela cresceu 2.345% na última década. Também nos últimos dez anos, as exportações de produtos brasileiros para o mercado venezuelano cresceram 532%, enquanto as importações se expandiram um pouco mais de 50%. Um dos desafios é tornar o intercâmbio bilateral mais equilibrado.

- Não dá mais para falar em retrocesso. Não vejo a menor possibilidade de essa relação ir para um patamar inferior. A tendência é de crescimento - disse o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Venenzuela, José Francisco Marcondes.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, concorda que as relações continuarão progredindo. No entanto, ele prevê queda das exportações brasileiras para aquele país, por causa da crise. Castro disse ter ouvido de alguns empresários que os importadores venezuelanos não estão pagando em dia suas encomendas.

- Faltam divisas - diz o presidente da AEB.

De forma geral, não há preocupação com um possível golpe de Estado, ou algo que impeça o bom funcionamento das instituições democráticas. Para Thiago Gehre, professor da Universidade de Brasília e especialista em Venezuela, a entrada do país no Mercosul tornou mais difícil qualquer chance de ruptura da democracia:

- O Paraguai é um exemplo disso.

Da mesma forma pensa o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, atualmente presidente do conselho superior de Comércio Exterior da Fiesp. Ele acredita que tudo correrá normalmente até as eleições.

- Não vejo risco de quebra constitucional - declarou o diplomata.

Carlos Pinkusfeld, professor da UFRJ e diretor do Centro Celso Furtado, acredita que a mudança de poder na Venezuela poderá até ser benéfica para o Brasil a médio prazo, se prosperar uma reforma econômica que leve a uma melhoria das condições para a classe média:

- Se for adiante o projeto de melhorias da infraestrutura urbana e de moradias, o Brasil poderá vender ainda mais ao país vizinho.

Luís Afonso de Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), afirma que o momento é de riscos e oportunidades. Ele avalia que a Venezuela sempre elevou o risco da região na visão dos investidores internacionais e que uma radicalização poderia piorar a situação. Por outro lado, afirma, um governo mais moderado pode dar segurança e criar mais condições para a atuação de empresas brasileiras, que ainda são raras no país vizinho, apesar do forte comércio.

- Com a Venezuela no meio da crise, eles podem aprofundar o namoro como Brasil em busca, inclusive, de estabilidade - disse.