Título: Carisma forte em desserviço à nação
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 08/03/2013, Mundo, p. 32

Arturo Valenzuela é professor de Ciências Políticas na Universidade Georgetown, em Washington, e ex-subsecretário de Estado para as Américas do governo Obama, e escreveu este artigo para o Grupo de Diários América (GDA)

Com a morte de Hugo Chávez, desaparece do continente a expressão mais clara nas Américas do pós-Guerra Fria do líder carismático remanescente de outras épocas históricas, quando o caudilho se impunha sobre as instituições e o estado de direito. Como bem diz Max Weber em seus estudos clássicos sobre a autoridade, o líder carismático busca estabelecer uma relação direta com seus súditos, especialmente os de menos posses, apelando para um poder sobre-humano de origem quase divina para dominar todas as esferas do cotidiano nacional.

É importante lembrar que Chávez não surge de uma experiência autoritária como a que a maioria dos países do continente teve, e que os levou após a queda do Muro de Berlim a retomar experiências democráticas anteriores, ou a buscar como maquinar, pela primeira vez, uma institucionalidade baseada no veredicto popular e no estado de direito. Chávez chega à Presidência pelo gravíssimo desprestígio de uma classe política que por décadas viveu das bondades da bonança petroleira e que fez uso das rendas do ouro negro para manter sua clientela. Com o colapso da economia petroleira mundial nos anos 1960 e a crise da dívida dos anos 1980, a Venezuela experimenta uma das mais fortes quedas nos padrões de vida social na América Latina. Por isso, os venezuelanos buscaram primeiro uma ex-Miss Universo para liderar o país e, quando sua popularidade despencou, abraçaram um militar nacionalista e golpista com a esperança de que ele pudesse reverter a deterioração econômica e institucional da nação.

Não há dúvidas de que a liderança carismática de Hugo Chávez cativou a imaginação de muitos de seus compatriotas. Ironicamente, essa liderança teria fracassado se não fosse o fato de que Chávez pôde apelar à mesma fórmula de seus predecessores - a distribuição dos lucros petroleiros aos setores mais pobres da sociedade, gerando por sua vez corrupção entre seus adeptos e colaboradores. Também teria fracassado se não tivesse adicionado outro ingrediente a seu projeto histórico: o de defensor do povo contra inimigos internos e externos que buscariam destruí-lo junto com sua revolução bolivariana. Infelizmente, os inimigos internos lhe fizeram um favor concentrando-se, no começo de sua gestão, numa estratégia para tirá-lo do poder - inclusive por vias inconstitucionais, em vez de propor à população políticas alternativas construtivas.

É certo que os historiadores do futuro não verão sua gestão com bons olhos. Em vez de ajudar a resolver os problemas do país, Chávez os agravou, debilitando ainda mais as instituições democráticas e o estado de direito, e permitindo inclusive a destruição da empresa estatal que entrega os ovos de ouro ao país. No momento de sua morte, o caudilho tinha perdido também sua ascendência na região, opacado por governos tanto de direita como de esquerda que descobriram como fortalecer a democracia, as liberdades públicas, novas políticas sociais, e uma inserção internacional positiva que leva em conta as grandes tendências da globalização. O enfrentamento entre Venezuela e Colômbia desapareceu à medida que a Colômbia forjava uma política internacional inteligente, que teve como resultado isolar o protagonismo da Venezuela mais do que impulsioná-lo. As referências hoje não são os países da Alba e os outros, e sim tendências regionais que separam a inserção diferenciada num mundo globalizado dos países do Pacífico em contraste com a daqueles do Atlântico.

O mais preocupante da morte de Chávez, porém, é o impacto de sua gestão sobre a própria Venezuela. Como bem destacou Max Weber, a autoridade carismática é, por definição, a mais instável de todas. Ao se basear na personalidade do líder, contribui para a deterioração das instituições e das normas da legalidade. Curiosamente, tampouco permite o surgimento de lideranças novas dentro do seu próprio movimento. O perigo para a Venezuela não é um crescente autoritarismo - mas a reversão a um tipo de anarquia por uma possível luta pelo poder dentro do próprio chavismo - que por definição não tem sentido sem Chávez.

Esse desenlace só poderia ser evitado se elementos sensatos em ambos os lados do ambiente polarizado da Venezuela buscassem como estender pontes de entendimento, vendo como resolver os problemas do país não com políticas de enfrentamento e perseguição, e sim buscando como construir uma institucionalidade em benefício de todos. O surgimento de uma oposição mais unida com um projeto propositivo tem sido um avanço importante nessa direção. Falta ver se o chavismo pode estar à altura que lhe corresponde hoje, pelo bem da Venezuela.