Título: Um altar para Chávez
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 08/03/2013, Mundo, p. 32

Os acontecimentos de ontem em Caracas reforçaram a ideia de que o governo - com o aval de milhões de venezuelanos simpáticos ao presidente morto na terça-feira - fará de tudo para transformar Hugo Chávez em mito. Diante de uma multidão que enfrentou filas de até 12 horas e um forte calor para ver o caixão de Chávez, o presidente em exercício Nicolás Maduro declarou não só que o velório será estendido por mais sete dias, como também que Chávez não será enterrado, mas sim embalsamado para que seu corpo, como o de "Lenin (russo), Ho Chi Minh (vietnamita) e Mao Tsé-Tung (chinês), possa ver visto para sempre".

O primeiro local de repouso de Chávez, disse Maduro, não será o Panteão Nacional, em Caracas, onde está Simón Bolívar, mas um museu da revolução bolivariana. A instalação começou a ser construída a pedido de Chávez no Quartel 4 de Fevereiro, antigo Museu Histórico Militar, local de onde tramou o ato que o lançou à vida pública, o frustrado golpe de Estado de 1992. O corpo será levado para lá após cerimônia fúnebre com as delegações estrangeiras, marcada para às 11h de hoje, horário local (12h30m em Brasília).

- Seu corpo já não aguentava a força de uma alma que precisava se expandir por todo o universo - disse Maduro sobre a morte do presidente.

Deixar Chávez ao lado de Bolívar, como pedia ontem a multidão, seria complicado e polêmico, já que o governo precisaria alterar a Constituição. A comparação ao herói da independência da América espanhola, bem como ao revolucionário Che Guevara, era muito ouvida ontem da boca de chavistas. Para eles, a morte elevou Chávez à condição de mito. Para seus opositores, um adversário praticamente impossível de combater.

Uma fonte próxima ao principal nome da oposição, o governador de Miranda, Henrique Capriles, afirmou que o próprio vive um "dilema Hamletiano": candidatar-se ou não. Setores da Mesa de Unidade Democrática (MUD), que une os partidos opositores, defendem que Capriles saia logo candidato. Mas o governador teria consciência de que Maduro, designado por Chávez como seu sucessor, será a preferência incontestável nas eleições. Luis Vicente León, da empresa de pesquisa independente Datanálisis, disse que seu time está na rua, já que a última pesquisa Maduro x Capriles deu 14 pontos de vantagem do primeiro sobre o segundo. Agora, em pesquisas não publicadas, após a morte de Chávez, já se fala em 20 pontos. Diferença superior aos 11 pontos com que Capriles foi derrotado por Chávez no pleito do ano passado.

- A emoção, o endeusamento, claro, podem complicar o cenário para a oposição. Para Maduro, quanto antes houver eleições, melhor - acredita León.

Pela Constituição, a votação deve ser convocada num período de até 30 dias após a ausência permanente do presidente, mas ainda não está claro se elas serão realizadas ou apenas convocadas dentro deste prazo.

- Ela (a Constituição) abre brechas, fala em "proceder-se eleições". Trinta dias podem ser apenas o início do processo - disse o constitucionalista Enrique Falcón.

Seja a eleição em março, abril ou maio, o prazo é curto para conter a "mitologia e o luto" em volta de Chávez, avaliam os aliados de Capriles e o próprio. Ontem à noite, começaria a ser exibido na TV venezuelana um vídeo com a assinatura do marqueteiro brasileiro João Santana e divulgado pelo ex-ministro José Dirceu em seu blog, enaltecendo a figura do líder, num tom de culto e adoração, com a frase "Ele nascerá de novo".

"Desaparecimento físico"

As emissoras de TV estatais nunca falam na morte de Chávez, e sim em seu "desaparecimento físico". O mesmo faziam milhares de pessoas - muitas passaram mal devido ao calor e à emoção - que compareceram ontem ao velório. Este número pode crescer bastante hoje, já que o governo decretou feriado nacional.

Assim como Chávez dizia suspeitar que Bolívar havia sido envenenado - mandou inclusive exumar seus restos mortais em 2010 - Maduro insinuou, horas antes de anunciar a morte do líder, que o presidente poderia ter sido assassinado. Ontem, o chefe da Guarda Presidencial, José Ornella, afirmou que Chávez foi vítima de um "infarto fulminante". Mas, no velório, muitos acreditavam na tese do presidente interino.

- Chávez se sacrificou pela pátria e nos deixou uma bíblia para seguir tudo o que ele disse - contou Dalida Quintero, 32 anos, líder agrária, mostrando um livreto preparado pelo governo, distribuído a quem comparecia ao velório, com o discurso que foi a despedida de Chávez, em dezembro, no qual ele pedia a eleição de Maduro.

A professora María Lonero, 50 anos, dizia:

- Sei que Maduro não é Chávez, não tem o carisma. Mas a gente confia em Chávez, que ele é o melhor para a gente.

Indagada sobre se Maduro não fizer um bom governo, María respondeu:

- Aí o povo toma a rua, como Chávez sempre fez.

Como não foi permitida a entrada da imprensa no velório de ontem e ninguém podia fotografar o caixão de perto, só se sabe como está o corpo de Chávez via testemunhos. Maduro disse que ele estava de boina, uniforme militar e com a faixa presidencial nas cores da bandeira da Venezuela.

- Ele veste uma camiseta branca e uma camisa vermelha. Está tranquilo, em paz - afirmou Rossana Katerine Efres Beguis, de 19 anos, que veio com seus irmãos da cidade de Guasdualito, fronteira com a Colômbia, a 800 quilômetros de Caracas.

Para ganhar tempo, Rossana entrou na fila, mas conseguiu furá-la a certa altura, o que lhe rendeu uma espera de "somente" seis horas. Mesmo assim, disse que valeu a pena.

- Vou voltar triste por ter perdido nosso comandante, mas alegre por poder ter vindo me despedir dele. Agora, é eleger Maduro presidente para que os ideais da revolução continuem.